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14/08/2019

Entenda a importância do Mecanismo de Combate à Tortura

Justiça do RJ suspende decreto de Bolsonaro que exonerou os peritos independentes do mecanismo



Na última sexta-feira (9), a Justiça Federal do Rio do Janeiro suspendeu um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que extinguiu os cargos dos onze peritos selecionados para atuar no MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura). Além da exoneração dos cargos, o texto do Executivo, publicado em 11 de junho, determinava que a atuação no órgão passaria a ser considerada “prestação de serviço público relevante, não remunerada”. 

“Na prática, o decreto representava a extinção do principal mecanismo que inspeciona presídios no Brasil. O governo busca enfraquecer ainda mais um órgão que é essencial para melhorar a desesperadora situação das prisões brasileiras”, afirma Henrique Apolinário, advogado da Conectas e membro do CNPCT (Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura).

A liminar do juiz Osair de Oliveira Jr., da 6ª Vara Federal fluminense, determina agora que os especialistas sejam reintegrados aos cargos comissionados, com remuneração.

A decisão do governo brasileiro havia provocado repúdio da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos),  órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Na avaliação de organizações de direitos humanos e que atuam na pauta carcerária, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é uma ferramenta essencial para buscar a erradicação de violações em prisões e reduzir os riscos de novas rebeliões entre presos, como a recente chacina em Altamira (PA), que deixou, ao menos, 60 mortos.

Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

O MNPCT faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, aprovado pela lei 12.847, em 2 de agosto de 2013, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 

O órgão é composto por onze peritos independentes que têm acesso irrestrito às instalações de privação de liberdade, como centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar.

Constatadas violações, os peritos elaboram relatórios com recomendações às demais autoridades competentes, que poderão usá-las para adotar as devidas providências. Sua função, portanto, é inspecionar e fiscalizar prisões e outros centros de privação de liberdade.

Sua implementação atende a compromisso internacional assumido pelo Brasil em 2007 com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização da ONU.

O sistema conta ainda com o Comitê Nacional de Combate à Tortura. Este, por sua vez, é composto por 23 membros, sendo 11 representantes de órgãos do Poder Executivo federal e 12 de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil. A Conectas faz parte do Comitê desde 2016.

O CNPCT tem caráter consultivo. Suas atribuições são propor ações à prevenção e combate à tortura, contribuir com outros órgãos, como o próprio MNPCT, monitorar propostas normativas e manter um banco de denúncias e decisões judiciais. Este grupo, porém, é responsável por selecionar os membros do Mecanismo. 

Há outras entidades que integram o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, como o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgãos do Sistema de Justiça e os Conselhos da Comunidade – colegiados compostos por voluntários, como familiares de detentos, comerciantes, religiosos e advogados feitos para colaborar com políticas de execução penal.

O pleno funcionamento do Sistema depende, no entanto, do estabelecimento de Comitês e Mecanismos estaduais também voltados à prevenção e combate à tortura. A criação destes órgãos precisa ser aprovada pelas Assembleias Legislativas de cada estado, por meio de um projeto de lei, e sancionada pelo(a) governador(a).

Após a sanção, o chefe do executivo estadual também deve nomear os profissionais que foram selecionados pelo Comitê para estes poderem atuar oficialmente pelo nos Mecanismos. A falta desta nomeação, na prática, impede que o sistema opere. É o caso do Maranhão, que desde 2018 tem uma lei aprovada e sancionada, porém, até hoje aguarda a nomeação dos peritos.

Apenas Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco e Rondônia possuem seus próprios mecanismos. Em São Paulo, estado com o maior número de pessoas presas no país (226 mil / infopen, jun/2017), uma lei foi aprovada em dezembro de 2018 pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) prevendo a criação das entidades, mas foi vetada integralmente pelo governador João Dória Jr. (PSDB).

Atuação

Uma das atuações mais emblemáticas envolvendo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura se deu em 2015, quando os peritos entregaram ao governo um relatório denunciando as condições precárias e o clima de tensão no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus (AM).

Os especialistas constataram que o complexo abrigava 697 presos a mais do que a capacidade e destacaram o fato de o Compaj contar com agentes de uma empresa privada, a Umanizzare, para fazer a segurança do local. Na análise do órgão, isso resultou em treinamento deficitário, precarização do trabalho, alta rotatividade e número insuficiente de funcionários de segurança —apenas 153 trabalhavam no dia da visita, em comparação com 250 previstos em contrato.

O documento foi ignorado e dois anos depois um dos piores massacres do sistema prisional brasileiro se concretizou. Há menos de três meses, o mesmo presídio registrou cerca de 55 mortos em situação semelhante.

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