Ainda que a política ambiental e climática no Brasil tenha ganhado um novo paradigma no âmbito do Executivo Federal, tramitam ou já foram aprovadas no Congresso Nacional propostas legislativas que representam retrocessos significativos. Conhecidos como “Pacote da Destruição Socioambiental”, esses textos têm o potencial de agravar a crise climática, negando, inclusive, dados científicos, mesmo em momentos de eventos extremos e catástrofes.
Dentre esses retrocessos, destaca-se a Lei 14.701, que ataca os direitos indígenas ao instituir a tese do “marco temporal”, que já foi aprovado pelo Congresso Nacional em outubro do ano passado. Agora, a lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) em ações propostas pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), partidos políticos e outras organizações.
Especificamente sobre a discussão do marco temporal, quando a proposta estava em tramitação no parlamento brasileiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) destacou que o não reconhecimento da identidade histórica, cultural e de direitos dos povos indígenas e quilombolas é resultado da discriminação racial e estrutural a que sempre estiveram submetidos no país. Na mesma época, a ONU enfatizou que o marco temporal viola os direitos fundamentais dos povos indígenas, estabelecidos pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, colocando em risco não apenas suas vidas e culturas, mas também o equilíbrio ambiental de suas regiões.
“A relação entre direitos humanos e clima é inegável e assume diferentes formas, afetando diversas comunidades. Esses projetos de lei não só prejudicam a população em geral, exacerbando os impactos das mudanças climáticas, como também atacam diretamente os direitos dos povos indígenas e quilombolas, grandes responsáveis pela proteção da biodiversidade”, afirma João Godoy, coordenador do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas
De acordo com Godoy, “para que o Brasil possa empreender uma ação climática efetiva e inclusiva, é preciso integrar direitos humanos e socioambientais – guiando-se pela justiça climática, o combate ao racismo ambiental, proteção aos territórios indígenas e tradicionais e a garantia da democracia”.
A degradação ambiental resultante desses projetos afetam a saúde, a segurança alimentar e a qualidade de vida de todos, ao mesmo tempo que enfraquecem a proteção dos ecossistemas mantidos por essas comunidades tradicionais.
Segundo o Observatório do Clima (OC), uma rede de entidades ambientalistas que lutam contra a crise climática, há pelo menos 25 projetos de lei e propostas de emendas constitucionais com potencial de agravar a crise climática.
Essas leis “afetam direitos consagrados em temas como licenciamento ambiental – importante ferramenta da sociedade contra atividades econômicas potencialmente destrutivas, grilagem, direitos indígenas, financiamento da política ambiental. Há ainda outras que flexibilizam o Código Florestal, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceano e zonas costeiras, sendo que alguns têm alta probabilidade de avanço imediato”, afirma a publicação do OC.
Em vigor na Lei PL 14.701/2023, regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas. Diversas organizações indígenas, indigenistas, ambientais e de direitos humanos denunciaram na ONU a tramitação desta lei. Não houve consulta a importantes comissões do Congresso, tampouco consulta livre, prévia e informada que permitisse a participação ativa dos povos indígenas. Além de tudo isso, a lei é incompatível com padrões internacionais e tratados de direitos humanos.
Promulgada em dezembro de 2023, o então conhecido como “PL do Veneno” flexibiliza a regulamentação e o uso de agrotóxicos no Brasil. Apresentado há 25 anos pelo então senador Blairo Maggi (sem partido/MT), inicialmente a proposta buscava alterar a Lei dos Agrotóxicos em dois itens. O texto atual, no entanto, revoga a legislação vigente, apresentando 67 novos artigos.
Com forte apoio da bancada do agronegócio e de ruralistas no Congresso Nacional, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), foi aprovado na Comissão em 2018, sob relatoria do Dep. Luiz Nishimori (PSD/PR) e presidência de Tereza Cristina (PP/MS), na época era deputada federal.
Mais de 300 organizações e órgãos públicos, como a Fiocruz, Inca, Anvisa e Ibama, assinaram um abaixo-assinado contra a proposta que busca atender aos interesses das multinacionais agroquímicas e atacar a saúde e os direitos da população.
Há uma longa discussão sobre a necessidade de um processo de licenciamento ambiental amplo e unificado. Atualmente, os empreendimentos precisam cumprir exigências federais e se adaptar a regras estaduais que variam bastante.
Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto 2159/2021 aguarda análise pelo Senado Federal sob relatoria da senadora Tereza Cristina (PP/MS), e do senador Confúcio Moura (MDB/RO) nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente. Com forte apelo de aprovação vindo da Frente Parlamentar da Agropecuária e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) , o projeto enfraquece o licenciamento ambiental no país.
Entidades ambientalistas, como a coalizão de ONGs Observatório do Clima, temem que a aprovação represente a “mãe de todas as boiadas”, nas palavras de Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da coalizão.
Com tramitação em andamento no Senado Federal e anexado ao PL 510/2021, do senador Irajá Abreu (PSD/TO), o PL 2633/2020, do deputado Zé Silva (SOLIDARIEDADE/MG), foi aprovado na Câmara dos Deputados em agosto de 2021. Tem como relatores o senador Marcos Rogério (PL/RO) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e a senadora Eliziane Gama (PSD/MA) na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
O projeto busca flexibilizar as normas de regularização fundiária. Um direito já garantido pela Lei nº 11.952 de 2009, que foi flexibilizada em 2017. Com forte apelo da bancada ruralista, o objetivo real do projeto é estender esses direitos a grileiros e latifundiários, permitindo a legalização da ocupação irregular de terras públicas.
Logo após a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal decidirem pela anulação da tese referente ao Marco Temporal, uma proposta de emenda foi apresentada pelo senador Dr. Hiran (PP/RR). Além dele, outros 26 senadores ligados à ala do agronegócio e mineração assinam a PEC que visa constitucionalizar o Marco Temporal. O texto considera o dia da promulgação da Constituição – 5 de outubro de 1988 – como referência para a garantia do direito à terra: apenas povos que estivessem no território naquele momento teriam direito à demarcação.
A emenda está em tramitação no Senado Federal, onde a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) avalia se a proposta cumpre os requisitos formais e constitucionais para ser discutida e votada. A PEC não passará por outras comissões antes de ir ao plenário.
A PEC limita os direitos dos povos indígenas às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, ignorando os deslocamentos forçados antes dessa data.
A proposta foi apresentada por Carlos Viana (PODEMOS/MG) e outros senadores no fim de 2023 e agora está em tramitação no Senado Federal.
Conta com forte apoio da bancada ruralista, que tem interesse em facilitar a exploração agrícola e mineral em territórios indígenas, propõe transferir a competência de demarcação de terras indígenas, atualmente sob a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), para o Congresso Nacional.
O processo de demarcação de terras é regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, sendo competência do Poder Executivo. Esta alteração significaria que o processo de demarcação, que é técnico e jurídico, passaria a ser uma decisão predominantemente política.
Este projeto foi proposto pela CPI das ONGs e está sendo analisado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, onde aguarda a designação de relator.
O projeto, ainda em estágio inicial de tramitação no Senado Federal, não recebeu emendas até o momento e será analisado também pelas Comissões de Serviços de Infraestrutura, Meio Ambiente, e Constituição, Justiça e Cidadania
Em tramitação na Câmara dos Deputados. Apresentado pelo Poder Executivo em 2021, foi apensado ao PL 603/2003, aguardando parecer da relatora, deputada Adriana Ventura (NOVO/SP) na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP).
Considerado por ambientalistas como “PL da privatização da água”, o projeto propõe uma abordagem de infraestrutura hídrica que pode desconsiderar a sustentabilidade e a gestão integrada dos recursos hídricos preconizada pela Política Nacional de Recursos Hídricos.