O catador José de Souza conheceu pela TV dos bares da cidade de São Paulo os modos de prevenção, os sintomas e a gravidade do novo Coronavírus. Mesmo assim, ele, que vive em situação de rua, não tinha como se proteger.
“Falam que a gente tem que lavar as mãos, mas vamos lavar onde? A gente não tem água. Não acredito que eu vá pegar essa doença. Tenho fé, Deus vai me proteger. Já passei por muita coisa nessa vida e tô aqui trabalhando de baixo de chuva e sol”, declarou ele à Ponte Jornalismo.
Além da população de rua, no Brasil, existem 9,6 milhões de casas que não podem seguir as recomendações sanitárias mais básicas da OMS (Organização Mundial de Saúde) porque não estão ligadas à rede de água, segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do IBGE.
Metade das moradias do país, ou 34 milhões, também não possuem sistema de esgoto. Essa falta de acesso levou o Brasil a registrar, em 2016 (dado mais recente), 342 mil internações por doenças que poderiam ter sido evitadas. E a pandemia só tende a elevar o número.
Considerando ainda a desigualdade que assola as regiões do país, alguns lugares sofrem mais do que outros: de cada 100 residências sem água, 50 estão no Nordeste e 28 no Norte. A cobertura de esgoto de São Paulo, por exemplo, equivale 30 vezes a do Pará.
Os dados mostram como o novo Coronavírus pode criar uma realidade paralela para os mais ricos e para as populações mais vulneráveis.
Foi para destacar essa desigualdade que, ainda no começo da pandemia, usuários do Twitter se uniram através da hashtag #COVID19NasFavelas. Em uma postagem, a comunicadora Tiê Vasconcelos escreveu: “Não tem água na favela pra lavar a mão? COMPRA! Eu não posso comprar água nem pra beber, mesmo infectada e com gosto de barro. Vou comprar pra lavar a mão? Ter água na favela pra lavar a mão tá sendo luxo. Não fazem ideia da nossa realidade!”
Logo, não surpreende um levantamento feito pela Folha que mostrou que pacientes internados com Covid-19 na rede particular têm 50% mais chance de se curarem do que aqueles que estão internados em hospitais públicos.
Além disso, ao analisar 30 mil casos até 18 de maio, pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, da PUC-Rio, confirmaram que pretos e pardos morrem mais por Covid-19 do que brancos. Mais por uma questão social do que biológica. À BBC Brasil, a pesquisadora Emanuelle Góes, do Cidacs/Fiocruz, afirmou: “A Covid-19 encontra um terreno favorável porque essas pessoas [pobres e pretas] estão em um cenário de desigualdade de saúde e de precarização da vida. Isso tudo tem relação com o sistema em que a gente vive, com o racismo”.
A Conectas atua para tentar superar dificuldades como o acesso à saúde a grupos mais vulneráveis, como populações indígenas e pessoas privadas de liberdade, e à informação. E, assim, tentar reverter a triste realidade que coloca a população mais vulnerável no alvo de uma pandemia mundial.