Ao substituir o Estatuto do Estrangeiro e instituir uma perspectiva da migração pautada nos direitos humanos com o repúdio à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação como um de seus princípios, a nova Lei de Migração estabeleceu um novo paradigma para o Brasil. Veja quais são as mudanças:
Como vimos na última reportagem desta série, chegar a esse resultado em meio a um cenário político turbulento só foi possível graças ao empenho de diferenças organizações, entre elas a Conectas, que atuaram de forma conjunta para convencer os congressistas sobre a importância da nova legislação e obter os votos necessários.
Mas esse trabalho não terminou com a aprovação da lei. Pelo contrário! Em um ambiente de polarização, o primeiro passo foi fortalecer a comunicação com a sociedade, para assim desfazer mitos que cercam esse tema. Você certamente já ouviu um ou vários deles: o país será invadido por imigrantes! Vai aumentar o risco de terrorismo! Afirmações como estas carregam uma visão preconceituosa e sem qualquer evidência.
Ao mesmo tempo em que esse processo de diálogo era construído em uma ponta, na outra as organizações viam com preocupação a elaboração do decreto de regulamentação da Lei de Migração ser feito a portas fechadas pelo governo Michel Temer, uma postura oposta àquela do processo de tramitação do projeto de lei, marcado pela construção coletiva.
Para ter dimensão de como a participação social foi limitada, foram apenas três oportunidades abertas para discutir o tema:
O texto final do decreto 9199/2017 foi publicado no mesmo dia em que a Lei de Migração entrou em vigor, com 318 artigos, quase o triplo da legislação que regula, e ignorando a maioria das sugestões apresentadas, além de usar o termo “imigrante clandestino”.
“O decreto publicado hoje não passou pelo adequado crivo da sociedade. A consulta pública foi mais um monólogo do governo do que um exercício de escuta, já que as várias propostas apresentadas tanto na plataforma online quanto na audiência pública foram ignoradas”, criticou na época a coordenadora de programas da Conectas, Camila Asano.
A indignação resultou em uma carta aberta assinada pela Conectas e dezenas de organizações e especialistas pontuando as lacunas existentes no decreto e as interpretações que contrariam a lei.
Além de contrariar vários pontos da Lei de Migração, o decreto de regulamentação também deixou de fora pontos importantes do texto. Um exemplo é a criação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, que tem como finalidade articular ações em todas as esferas de governo, facilitando o cotidiano de quem migrou para o país.
Asano destaca que, desde que decidiu trabalhar pela aprovação da Lei de Migração, a Conectas já tinha em seu planejamento que a regulamentação não se esgotaria com a entrada em vigor da legislação, assim como acontece em vários outros casos.
Enquanto trabalha pela efetividade da lei, por meio de formações para profissionais que atendem migrantes e participação nos debates sobre o tema, a Conectas segue com ações de advocacy em Brasília para superar as lacunas deixadas pelo decreto e também pela aprovação de leis que assegurem direitos vetados na Lei de Migração, como a anistia migratória.
Um dos pontos que a experiência da Conectas e de outras organizações e especialistas reforça é que a migração enriquece o país ao proporcionar um diálogo intercultural. Danças, artes, moda, música, cinema, gastronomia e tantas outras linguagens trazidas pelos migrantes possibilitam um verdadeiro intercâmbio sem precisar cruzar a fronteira.
Em São Paulo, bairros como Liberdade e Bom Retiro refletem um pouco dessa experiência, que também pode ser vivida em cursos oferecidos por migrantes, em eventos culturais realizados ao longo do ano e também em plataformas que mapeiam esses trabalhos para que mais pessoas conheçam e entendam que a migração é um grande ganho para a sociedade.
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