Decreto assinado ontem pelo presidente Michel Temer e publicado nesta terça-feira, 21, no Diário Oficial da União desconsidera críticas e recomendações da sociedade civil e desvirtua conquistas da lei de migração (lei nº 13.445), aprovada em maio passado.
Além de manter termos como “imigrante clandestino”, o decreto prevê em seu Art. 211 a possibilidade de prisão para migrantes em situação irregular por solicitação da Polícia Federal. Essa medida contraria frontalmente a Lei de Migração, que determina que “ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias” (Art. 123).
“Apesar de ser um país historicamente formado por fluxos de migrantes de todas as partes do mundo, o governo retoma com esse decreto uma visão ultrapassada e discriminatória de migração como questão de segurança pública, permitindo que pessoas possam ser criminalizadas pela sua situação migratória”, comenta Camila Lissa Asano, coordenadora de programas da Conectas.
Para Asano, a nova lei de migração foi um marco internacional e colocou o Brasil na vanguarda das políticas migratórias, porém o decreto coloca abaixo pontos amplamente negociados e aprovados de modo suprapartidário e participativo pelo Congresso.
“Estamos diante de um governo que não entende que um ato normativo como um decreto não pode contrariar uma lei”, lamenta.
O decreto ainda torna mais rígidas as regras para visto de trabalho e cria uma seletividade que contraria o princípio de acolhimento igualitário dos migrantes. Se por um lado a lei de migração previa visto temporário ao imigrante que viesse ao Brasil com o intuito de estabelecer residência, o decreto determina condicionantes que dificultam o acesso a esse direito, como a comprovação da oferta de trabalho no país ou alguns tipos específicos de trabalho.
Falta de participação
Até a semana passada, o governo não havia disponibilizado à sociedade civil a minuta do decreto. Com pouco tempo de antecedência, representantes do Executivo realizam no dia 13 de novembro uma consulta pública. Nenhuma recomendação realizada durante essa consulta foi acatada.
“O decreto publicado hoje não passou pelo adequado crivo da sociedade. A consulta pública foi mais um monólogo do governo do que um exercício de escuta, já que as várias propostas apresentadas tanto na plataforma online quanto na audiência pública foram ignoradas”, esclarece Asano.
Segundo Asano, a sociedade civil deve se organizar para questionar a legalidade de diversos pontos do decreto e trabalhar para a regulamentação de partes importantes deixadas de lado, como o visto humanitário. A Conectas e outras 46 entidades e especialistas no tema assinaram uma carta pública questionando o decreto e a participação social no processo de regulamentação da nova Lei de Migração.
“Estudaremos as medidas cabíveis contra os trechos do decreto que contrariam a lei”, afirma Asano. “Também manteremos uma vigília incansável por uma regulamentação coerente dos trechos ainda não contemplados pelo decreto”, finaliza.
>> Leia aqui a íntegra da carta pública.