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Tortura é prática sistemática em prisões, centros de saúde e unidades socioeducativas de São Paulo, revela órgão nacional

Às vésperas do aniversário de 32 anos do Massacre do Carandiru, relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura alerta para violações de direitos humanos em instituições paulistas



Práticas sistemáticas de tortura em prisões – como espancamentos e uso excessivo de armas menos letais – além de violência psicológica e rotinas de confinamento em instituições de saúde mental e centros socioeducativos, são recorrentes no estado de São Paulo. Essas conclusões foram reveladas em um relatório de inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), divulgado nesta terça-feira (1º), véspera do 32º aniversário do Massacre do Carandiru.

Essas e outras violações de direitos humanos foram identificadas durante inspeções realizadas em seis unidades prisionais, duas unidades socioeducativas e três centros de saúde mental. As visitas do MNPCT ocorreram em outubro de 2023, abrangendo sete municípios paulistas e resultaram em um relatório de 400 páginas, que apresentou 231 recomendações para o sistema prisional, 63 para o sistema socioeducativo e 47 para a política de saúde mental.

Entre as práticas mais graves, o Mecanismo Nacional destaca a existência de celas escuras e insalubres na Penitenciária de Venceslau I e a atuação do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), responsável por procedimentos em unidades de regime disciplinar diferenciado, como a Penitenciária de Venceslau II, sem qualquer objetivo de ressocialização.

Na penitenciária feminina de Tupi Paulista e no CDP Franco da Rocha, as inspeções apontaram desassistência material e de saúde, além de situações de violência moral contra gestantes e mulheres com bebês aprisionadas em condições degradantes. No sistema socioeducativo, foi identificada a precariedade das instalações, a falta de atividades educativas adequadas e o uso de metodologias punitivas que podem caracterizar bullying institucional, além da presença inadequada de agentes socioeducativos masculinos nas unidades femininas. As visitas foram feitas na Fundação Casa Chiquinha Gonzaga e São Paulo, ambas na capital paulista. 

No âmbito da saúde mental, o relatório denuncia a manutenção ilegal de pessoas em instituições como a Unidade Experimental de Saúde (UES), na cidade de São Paulo (SP), que funciona como um híbrido entre manicômio e prisão. O Serviço de Cuidados Prolongados Álcool e Drogas (SCP-AD), também na capital paulista, por sua vez, opera fora da Rede de Atenção Psicossocial, com foco na privação de liberdade e na imposição de abstinência.

Recomendações para São Paulo

Dentre as principais recomendações, o MNPCT sugere o aumento do orçamento para manutenção das unidades prisionais e a garantia dos direitos das pessoas presas, a proibição de revistas vexatórias e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais nas intervenções policiais. Para as unidades socioeducativas, recomenda-se o cumprimento da Resolução 225/2021, que proíbe a custódia de meninas por agentes masculinos, e a implementação de mais atividades de socialização. Quanto aos equipamentos de saúde mental, o Mecanismo recomenda o fechamento imediato da UES e do SCP-AD, com a adoção de um projeto de desinstitucionalização.

O relatório foi enviado às autoridades estaduais e federais, que agora têm o desafio de implementar as mudanças urgentes recomendadas pelo MNPCT para combater as graves violações de direitos humanos identificadas nas inspeções.

“Entendemos que o Massacre do Carandiru, ocorrido há 32 anos, não acabou. Ele persiste de uma forma velada, porque nos dias de hoje as pessoas privadas de liberdade no estado de São Paulo continuam morrendo pelas mãos do Estado. Além da morte física, promovida pelo  Estado, que “deixa morrer” quando impõe uma “pena de fome” ou não oferta medicação, observamos também a morte simbólica, onde a tortura praticada impõe sobre essas pessoas a exclusão de sua dignidade e humanidade. Compreendemos que deve haver um reconhecimento da complexidade dos problemas gerados nesses espaços pelas autoridades e, a partir disso, se espera que as soluções possam ser construídas para a superação desse cenário”, afirma Camila Sabino, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Evento em São Paulo apresenta resultados do relatório

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em parceria com o Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre a Pena e a Execução Penal da USP (NPEPEP-USP), realiza o lançamento do relatório dia 02 de outubro, data que marca os 32 anos do Massacre do Carandiru. A atividade acontece na Faculdade de Direitos da USP, no Largo São Francisco. O evento conta com mesas temáticas que abordarão os principais assuntos tratados no relatório, reunindo diversos profissionais e ativistas da área. Os participantes terão a oportunidade de conhecer e discutir os dados apresentados. A programação completa está disponível no Instagram do NPEPEP/USP. Confira a programação completa neste link. 


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