Uma rede de dez organizações de diferentes países, liderada pelo SOMO (Center for Research on Multinational Corporation), lançaram na sexta-feira (10) um projeto colaborativo de pesquisa e advocacia que busca trazer justiça e reparação a pessoas e comunidades que foram vítimas de abusos causados por empresas multinacionais.
Por meio do Mind the Gap, as organizações se propõem a compilar práticas utilizadas por empresas para evitarem ser responsabilizadas por violações ambientais e de direitos humanos cometidas em suas cadeias de produção.
A iniciativa é fruto de um ambicioso projeto de pesquisa internacional e, de acordo com seus idealizadores, amplia a necessidade urgente de fechar as lacunas de governança que sustentam um sistema global de impunidade corporativa.
“Esconder-se atrás de cadeias de fornecimento complexas, minar sindicatos de trabalhadores e disseminar informações distorcidas são apenas algumas das maneiras pelas quais empresas tentam evitar serem responsabilizadas suas violações”, afirma Mariëtte van Huijstee, pesquisadora da SOMO.
“Com o ‘Mind the Gap’, pela primeira vez, serão compiladas e analisado, de forma sistemática, as estratégias corporativas mais comuns usadas para evitar punições e reparação a suas vítimas”, conclui.
A plataforma do projeto foi criada para servir como uma ferramenta voltada à sociedade civil e à comunidade internacional, que têm a possibilidade de adicionar denúncias e casos negativos à base de dados.
Cinco estratégias principais
Em seu lançamento, o projeto aponta as cinco principais estratégias usadas por empresas para evitar responsabilização. A rede de entidades aponta que as táticas recorrem a uma ampla gama de ações, que vão desde obstrução à Justiça até distorção de fatos, com o objetivo de a todo custo evitar a reparação às pessoas atingidas.
De acordo com a rede, essas estratégias combinam-se para sustentar um sistema no qual os negócios internacionais permanecem inexplicáveis pelos danos ambientais e aos direitos humanos que produzem, enquanto as vítimas continuam a serem as principais afetadas.
Casos emblemáticos
Entre os diversos estudos de casos emblemáticos apresentados no site do projeto Mind the Gap, destaca-se o rompimento da barragem de Brumadinho, ocorrido em Minas Gerais em janeiro de 2019, que matou mais de 270 pessoas e impactou seriamente o meio ambiente.
O desastre é apontado como um episódio claro da ampla prevalência dessas estratégias corporativas para evitar responsabilização e punição.
“A mineradora Vale garantiu repetidamente que a barragem atendia a todos os requisitos de segurança, mas os promotores brasileiros coletaram evidências de que a empresa buscava certificação, conhecendo os graves riscos à segurança”, disse Júlia Mello Neiva, coordenadora de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas.
Outro exemplo documentado que mostra como empresas alavancam seu poder por meio de parceria com governos para obter tratamento diferenciado é a HeidelbergCement, uma multinacional alemã que atua no Território Palestino Ocupado por meio de uma subsidiária local.
“Esta empresa só pode operar sua pedreira na Cisjordânia com o apoio das autoridades de ocupação israelenses”, diz Wesam Ahmad, da Al-Haq, parceira da Mind the Gap. “A HeidelbergCement lucra diretamente bem como contribui para a ocupação e construção de assentamentos ilegais,e abusos sistemáticos dos direitos humanos por Israel, enquanto desfruta da proteção das autoridades israelenses e protege sua sede de possíveis responsabilização em nível internacional”, conclui.