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16/07/2020

Rede de organizações lança projeto para levar justiça a pessoas afetadas por multinacionais

Plataforma ‘Mind the Gap’ mostra estratégias corporativas usadas para evitar punições e reparações

Fotos feita pela fotógrafa independente Isis Medeiros em janeiro de 2019 no desastre de Brumadinho. Fotos feita pela fotógrafa independente Isis Medeiros em janeiro de 2019 no desastre de Brumadinho.

Uma rede de dez organizações de diferentes países, liderada pelo SOMO (Center for Research on Multinational Corporation), lançaram na sexta-feira (10) um projeto colaborativo de pesquisa e advocacia que busca trazer justiça e reparação a pessoas e comunidades que foram vítimas de  abusos causados por empresas multinacionais.

Por meio do Mind the Gap, as organizações se propõem a compilar práticas utilizadas por empresas para evitarem ser responsabilizadas por violações ambientais e de direitos humanos cometidas em suas cadeias de produção. 

A iniciativa é fruto de um ambicioso projeto de pesquisa internacional e, de acordo com seus idealizadores, amplia a necessidade urgente de fechar as lacunas de governança que sustentam um sistema global de impunidade corporativa.

“Esconder-se atrás de cadeias de fornecimento complexas, minar sindicatos de trabalhadores e disseminar informações distorcidas são apenas algumas das maneiras pelas quais empresas tentam evitar serem responsabilizadas suas violações”, afirma Mariëtte van Huijstee, pesquisadora da SOMO. 

“Com o ‘Mind the Gap’, pela primeira vez, serão compiladas e analisado, de forma sistemática, as estratégias corporativas mais comuns usadas para evitar punições e reparação a suas vítimas”, conclui.

A plataforma do projeto foi criada para servir como uma ferramenta voltada à sociedade civil e à comunidade internacional, que têm a possibilidade de adicionar denúncias e casos negativos à base de dados.

Cinco estratégias principais

Em seu lançamento, o projeto aponta as cinco principais estratégias usadas por empresas para evitar responsabilização. A rede de entidades aponta que as táticas recorrem a uma ampla gama de ações, que vão desde obstrução à Justiça até distorção de fatos, com o objetivo de a todo custo evitar a reparação às pessoas atingidas.

  1. Construir denegação – Isso acontece quando as empresas se escondem atrás de cadeias de suprimentos complexas, terceirizam atividades de alto risco para subcontratados ou decidem fechar subitamente as subsidiárias, obscurecendo seu papel em quaisquer danos causados.
  1. Evitar a responsabilidade por meio de estratégias judiciais – O uso de estratégias judiciais para afastar a atenção pública e responder a alegações de comunidades, trabalhadores e defensores de direitos humanos.
  1. Distrair e confundir as partes interessadas – Confundir as partes interessadas ao espalhar informações enganosas, manipulação de pesquisas científicas ou abuso dos padrões de certificação.
  1. Enfraquecer defensores e comunidades – Silenciando os críticos, atacando e criminalizando defensores de direitos humanos, dividindo as comunidades com subornos e minando os sindicatos.
  1. Utilizar o poder do Estado – Refere-se ao comportamento das empresas que alavancam seu poder com os governos para obter tratamento, segurança e impunidade favoráveis.

De acordo com a rede, essas estratégias combinam-se para sustentar um sistema no qual os negócios internacionais permanecem inexplicáveis ​​pelos danos ambientais e aos direitos humanos que produzem, enquanto as vítimas continuam a serem as principais afetadas.

Casos emblemáticos

Entre os diversos estudos de casos emblemáticos apresentados no site do projeto Mind the Gap, destaca-se o rompimento da barragem de Brumadinho, ocorrido em Minas Gerais em janeiro de 2019, que matou mais de 270 pessoas e impactou seriamente o meio ambiente. 

O desastre é apontado como um episódio claro da ampla prevalência dessas estratégias corporativas para evitar responsabilização e punição. 

“A mineradora Vale garantiu repetidamente que a barragem atendia a todos os requisitos de segurança, mas os promotores brasileiros coletaram evidências de que a empresa buscava certificação, conhecendo os graves riscos à segurança”, disse Júlia Mello Neiva, coordenadora de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas.

Outro exemplo documentado que mostra como empresas alavancam seu poder por meio de parceria com governos para obter tratamento diferenciado é a HeidelbergCement, uma multinacional alemã que atua no Território Palestino Ocupado por meio de uma subsidiária local.

“Esta empresa só pode operar sua pedreira na Cisjordânia com o apoio das autoridades de ocupação israelenses”, diz Wesam Ahmad, da Al-Haq, parceira da Mind the Gap. “A HeidelbergCement lucra diretamente bem como contribui para a ocupação e construção de assentamentos ilegais,e abusos sistemáticos dos direitos humanos por Israel, enquanto desfruta da proteção das autoridades israelenses e protege sua sede de possíveis responsabilização em nível internacional”, conclui.

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