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Notícia
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20/12/2024

Organizações denunciam racismo estrutural em decisão do STM sobre execução de dois homens negros

Tribunal militar reduziu pena de agentes que dispararam 257 tiros contra músico e catador de recicláveis no Rio de Janeiro

Foto: Augusto Lunardi/Agência Pública Foto: Augusto Lunardi/Agência Pública


Conectas, Justiça Global, Odara Instituto da Mulher Negra e o Instituto de Defesa da População Negra manifestaram repúdio à decisão do Superior Tribunal Militar (STM) de absolver militares envolvidos no caso Evaldo Rosa e Luciano Macedo. As organizações criticam o julgamento que reduziu as penas de oito agentes, responsáveis por disparar 257 tiros de fuzil, de até 31 anos de prisão para pouco mais de três anos em regime aberto.  

A decisão, segundo as entidades, reforça o racismo estrutural e legitima ações letais das Forças Armadas contra negros e pobres. Evaldo, músico a caminho de um chá de bebê, e Luciano, catador que tentou socorrê-lo, foram mortos sem que houvesse legítima defesa ou justificativa para tamanha brutalidade, apontam as organizações.  

Leia a nota na íntegra:

Nota pública sobre julgamento do caso Evaldo

Na noite desta quarta-feira (18) o Superior Tribunal Militar (STM) legitimou a execução brutal de dois homens negros pelas Forças Armadas. No julgamento dos militares acusados de matar o músico Evaldo Rosa e o catador de recicláveis Luciano Macedo com 257 tiros de fuzil, os integrantes da Corte, por uma maioria de nove votos, absolveram os agentes pela morte de Rosa e consideraram que o caso de Macedo foi um homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

A Conectas Direitos Humanos, a Justiça Global, o Odara Instituto da Mulher Negra e o Instituto de Defesa da População Negra vêm, por meio desta nota, manifestar o seu total repúdio ao resultado deste julgamento. A decisão que condenou os oito agentes a pouco mais de três anos de prisão em regime aberto emite uma mensagem para a sociedade brasileira: militares têm autorização do Estado para executar qualquer cidadão, especialmente preto e pobre, numa favela. Basta que os militares justifiquem que se sentiram ameaçados, mesmo que aqueles estejam completamente desarmados e indefesos. No caso concreto, um músico indo a um chá de bebê com sua família e um catador de materiais recicláveis que colocou sua vida em risco para salvar um desconhecido. 

Nenhum protocolo de uso da força foi seguido e uma sequência de 257 tiros foi tratada como uma conduta de menor gravidade. Contornar a gravidade dessas duas execuções enfraquece as próprias instituições, que deveriam zelar pela segurança de seus cidadãos. Até o ato de heroísmo de Luciano, que arrisca e perde sua vida para salvar Evaldo e sua família, foi respondido com brutalidade incompatível com o estado de direito. Tudo indica que por ser preto e pobre. 

A maioria dos ministros seguiram a tese jurídica do relator, o tenente-brigadeiro do ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, que afirma que os militares agiram, inicialmente, em legítima defesa e que não tinham a intenção de matar Luciano. A teoria é completamente refutada pelas provas periciais juntadas ao processo, como bem destacou a ministra Elizabeth Rocha em seu voto. Rocha foi a única a manter as penas iniciais, que variavam entre 28 e 31 anos de reclusão em regime fechado, e a destacar a patente bravura e o heroísmo de Luciano.

A tese aceita é um dos maiores equívocos jurídicos da história da Justiça brasileira. Não se pode falar em legítima defesa quando há, de um lado, um grupo de oito agentes do Estado legitimados a portar fuzis e do outro duas pessoas sem arma nenhuma e sem praticar qualquer ilegalidade. E não há dúvidas de que quem dispara 257 tiros tem intenção de matar. 

A impunidade que resta no caso Evaldo e Luciano escancara o racismo estrutural presente no tecido social brasileiro que se manifesta,  neste caso, em sua forma mais cruel e perversa, no racismo entranhado nos órgãos públicos do país. O que aconteceu foi mais um caso de perfilamento racial, que como tantos outros que ocorrem no Brasil, resultam do fato  do Estado brasileiro assumir que todo negro é criminoso e imputar a estes a pena de morte, executada através de suas forças de segurança, mas inexistente na Constituição. 

O caso Evaldo e Luciano é a prova cabal de que o julgamento pela Justiça Militar de crimes cometidos por militares contra civis é inconstitucional. Os militares precisam estar subordinados ao controle civil e democrático do uso da força, por meio de leis civis e penais, julgadas pela justiça comum.  Militares não devem atuar em ações de segurança pública, pois a lógica das Forças Armadas não pode ser aplicada no trato com civis sem o risco de que estes sejam exterminados sem motivo aparente.

Este julgamento tem sim uma repercussão social. Deixa para toda a sociedade brasileira o gosto amargo da impunidade pela morte de dois homens negros durante os seus momentos de trabalho e lazer. Reafirma para as pessoas pretas, pardas e periféricas que as vidas delas valem tão pouco que até os que deveriam protegê-las podem retirá-las sem nunca serem responsabilizados por isso. 

Conectas Direitos Humanos

Justiça Global

Odara Instituto da Mulher Negra

Instituto de Defesa da População Negra

 

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