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18/01/2019

Opinião: Instituições democráticas enfrentam desafios na presidência de Bolsonaro

Artigo publicado por Henrique Apolinário, advogado do programa de Violência Institucional da Conectas, no site da World Justice Project.

Presídio brasileiro é símbolo internacional de violência em prisões e da falência do sistema prisional no país (Fonte: Conectas/Divulgação) Presídio brasileiro é símbolo internacional de violência em prisões e da falência do sistema prisional no país (Fonte: Conectas/Divulgação)

Artigo publicado por Henrique Apolinário, advogado do programa de Violência Institucional da Conectas, no site da World Justice Project.

Assim que Jair Bolsonaro foi empossado como presidente no primeiro dia de 2019, a sociedade civil passou a antecipar quais das infinitas promessas problemáticas feitas seriam mantidas e priorizadas. Depois de décadas de obscura presença na Câmara dos Deputados, Bolsonaro ganhou notoriedade nos últimos cinco anos com uma retórica conservadora contra a educação de gênero e os direitos humanos, retratando-se constantemente como a única verdadeira oposição à agenda supostamente progressista do Partido dos Trabalhadores (PT).

Bolsonaro tem uma forte postura anti-crime, retratando a “esquerda”’ como suave no crime. Numa campanha marcada por notícias falsas, isso não poderia estar mais longe da verdade: durante os 13 anos do mandato do PT, a população prisional passou de 200.000 para 720.000, e a promulgação de uma nova lei sobre drogas em 2006 foi responsável por um aumento de 180.000 presos em apenas 10 anos.

O Supremo Tribunal Federal decretou recentemente o “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro, reconhecendo o fracasso dos poderes executivo e legislativo em remediar as violações sistêmicas por trás das grades. As alegações do novo presidente colocariam sua administração em oposição direta a este caso histórico, pois ele afirmou em várias ocasiões que a superpopulação de presídios é “um problema apenas para pessoas que comem crimes” e defendeu acabar com as “audiências de custódia”, recentemente criadas para apresentação em juízo das pessoas detidas. Ele também afirmou que iria reduzir a maioridade penal e aumentar os períodos de condenação. Como parte da Rede de Justiça Criminal, a Conectas tem um esforço permanente de advocacy em Brasília e está constantemente buscando novas maneiras de mudar a opinião pública e a oficial para uma política criminal mais progressista. Carcerópolis é uma nova plataforma que permite a visualização dos dados disponíveis do sistema prisional brasileiro até as instalações prisionais individuais.

Uma das bandeiras da campanha de Bolsonaro foi dar carta branca às forças de segurança para matar em serviço, o que foi reproduzido pelos novos governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois estados mais populosos do Brasil. Essa retórica é especialmente perigosa em um país que emprega a força policial mais letal do mundo, e onde a responsabilização pelas atividades policiais nunca foi totalmente implementada nos anos democráticos, em grande parte devido à proteção por parte do sistema judiciário.

Enquanto a sociedade civil vem pressionando os governos para revisar os mecanismos de responsabilização da atividade policial, uma lei de 2017, destinada a afastar das instituições civis as investigações das operações do exército ocorridas dentro do país, foi deliberadamente mal interpretada pelas forças policiais locais. Sua interpretação permitiria que todos os supostos crimes cometidos por policiais militares fossem julgados perante tribunais militares e investigados internamente, por pares do suposto autor do crime.

O caso terá que ser resolvido pelo Superior Tribunal Federal, assim como várias violações de direitos flagrantes ainda pendentes; mas até que isso aconteça, todos os casos que tiveram suas jurisdições afetadas estão em um limbo judicial, limitando severamente a possibilidade de uma resposta oportuna para as vítimas de violência institucional.

Outras promessas de campanha foram validadas no primeiro dia da presidência de Bolsonaro. A secretaria de direitos LGBTI + foi extinta do Ministério de Direitos Humanos, e o sistema de demarcação de terras indígenas foi transferido do Ministério da Justiça, que possui mecanismos de participação, para o Ministério da Agricultura, agora ocupado por pessoas próximas ao agronegócio. Grupos marginalizados serão alvos dos poderes executivo e legislativo, que dependerão fortemente de um sistema de justiça, elitista e de alto custo. Conectas expõe há muito tempo como os mecanismos de controle interno negam a independência do judiciário para os membros mais jovens e progressistas do sistema judiciário.

Resta saber se o Judiciário e o Ministério Público fortalecerão seus papéis como guardiões da Constituição e das obrigações internacionais, ou se simplesmente vão se abster de interferir em favor dos privilégios institucionais mantidos há muito tempo e de uma ideia de estabilidade. Em todo caso, Bolsonaro nomeará pelo menos dois juízes para o Supremo Tribunal Federal, certamente com uma visão estreita de direitos humanos; isso se ele não seguir adiante com a ideia já defendida de elevar o número de membros do Supremo Tribunal Federal (STF), de atualmente 11 para 21, permitindo que ele nomeie outros 10 juízes e perpetue sua ideologia para além de sua presidência.

Tudo isso vem no meio de uma forte retórica contra a sociedade civil organizada. Como o agora presidente observou em seu discurso de vitória, ele iria “pôr um fim a todo ativismo no Brasil”. No primeiro dia, um decreto presidencial deu poderes a seu Secretário de Estado, um general reformado, para “monitorar” o trabalho de todas as ONGs, o que foi fortemente denunciado pela sociedade civil, que está se preparando para combater a medida no Congresso.

Mas talvez o efeito mais importante da última eleição seja mostrar quão pouco o estado democrático de direito influencia a sociedade brasileira, afetada por um sentimento inflado de impunidade em relação a crimes patrimoniais e escândalos de corrupção. Termos como direitos humanos, democracia e julgamentos justos e imparciais têm uma má conotação para grande parte da população, a qual vê esses termos como “ideológicos” e limitados. Talvez isso reflita o distanciamento histórico da população em geral em relação às instituições, algo que só pode ser remediado por maior democratização, transparência e educação, nenhuma das quais parece ser uma prioridade para o novo governo.

 

>>> Leia o artigo, na íntegra (em inglês)

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