O primeiro dia útil do governo Bolsonaro trouxe uma medida provisória que parece orientada a colocar em prática a promessa de campanha de “acabar com qualquer forma de ativismo”. Publicada no dia 2 de janeiro, a MP 870/2019, em seu artigo 5, II, concede à Secretaria de Governo da presidência da República a competência de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”. Essas novas funções foram refletidas posteriormente na estrutura do Secretaria de acordo com o decreto 9.669.
Tal atribuição é inédita no período democrático e remete a uma tentativa de cerceamento da atuação da sociedade civil. A Secretaria de Governo sempre teve papel de interlocução e de articulação entre a sociedade civil e o Executivo; nunca de monitorar as atividades e ações de tais organizações.
Não cabe ao Executivo controlar as atividades das organizações não governamentais em território nacional. A Constituição é explícita ao vedar a interferência estatal no funcionamento de organizações da sociedade civil e garantir a plena liberdade de associação para fins lícitos, independente de autorização governamental.
Isso não quer dizer que essas organizações estejam isentas de controle. No caso de transferências de recursos públicos e de isenções fiscais existem diversos mecanismos de fiscalização incluindo a supervisão pelo Tribunal de Contas e a Receita Federal.
É preciso entender a importância e a diversidade de atividades das organizações não governamentais no Brasil. Segundo estudo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), em 2017 existiam no país mais de 820 mil ONGs, atuando por melhores condições na educação, na saúde, por liberdades individuais e igualdade no acesso a direitos, pelo acesso à informação e a liberdade de expressão, pela dignidade no trabalho, pelo direito das crianças e adolescentes, pelo respeito ao meio ambiente, entre tantas outras pautas.
Uma sociedade civil livre e atuante é parte de uma democracia sólida. É urgente que o governo reverta essa norma, adaptando-a aos preceitos da Constituição. Pretender controlar, supervisionar ou monitorar as atividades de tais entidades é um sinal de autoritarismo extremamente negativo por parte de um governo que se inicia.