Na segunda-feira (19), a Relatoria das Nações Unidas para Execuções Extrajudiciais e a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos), tornaram pública uma carta encaminhada ao governo brasileiro sobre as políticas de segurança pública do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.
A comunicação oficial, assinada pela relatora especial da ONU Agnes Callamard e pela assistente da Secretaria-Executiva da CIDH, Maria Claudia Pulido, havia sido enviada em 20 de junho e esteve em sigilo até a última segunda-feira (19) — apenas um dia antes que o governador aparecesse comemorando a morte do homem que sequestrou um ônibus na ponte Rio-Niterói.
O período de 60 dias de confidencialidade é uma prática determinada pelos próprios organismos internacionais para garantir que os países tenham um tempo adequado para contestar os questionamentos elencados. O Brasil, no entanto, não respondeu até a data em que a carta foi tornada pública.
“A falta de resposta do governo brasileiro é um sinal de descaso, mas não é a primeira vez que que isso acontece. Quando um documento desse tipo enviado por organismos internacionais incomoda, as autoridades do nosso país preferem se omitir, descumprindo, assim, compromissos assumidos”, ressalta Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas.
Eleição para o Conselho de Direitos Humanos da ONU
Há ainda outro agravante que pode complicar a situação do Brasil na esfera internacional. O país pleiteia uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU, principal espaço das Nações Unidas voltado à discussão sobre a situação de direitos humanos no mundo.
O Brasil, que já é membro do Conselho e busca a reeleição, é oficialmente candidato, ao lado da Venezuela, a uma das duas vagas abertas na eleição que será realizada em 16 de outubro, durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Apesar de o número de vagas ser correspondente ao número de candidatos, ter sua imagem e seu comprometimento com a efetivação dos direitos humanos questionados por uma relatoria da própria ONU pode influir negativamente na candidatura do país.
“Este documento e a falta de resposta por parte do governo brasileiro se contrapõem ao que seria esperado de um país que pleiteia um assento no Conselho de Direitos HUmanos da ONU.. Demonstra que o país está contrariando as próprias determinações do Conselho e indo contra o que se espera de um membro do órgão, que é a cooperação com os seus procedimentos especiais – no caso – a relatoria especial sobre execuções extrajudiciais”, afirma Asano.
Os países eleitos para o Conselho recebem mandato de três anos, sendo renovável por mais três. Fazer parte deste espaço, atribui legitimidade em termos de proteção e promoção dos direitos humanos perante a comunidade internacional.
“Ao ser membro do Conselho espera-se que o país tenha os mais altos padrões de promoção e proteção dos direitos humanos, coopere e trabalhe positivamente em prol do avanços da pauta no mundo, além de convidar relatores especiais a visitas ao país e produza relatórios nos devidos prazos”, explica.
Asano também ressalta que ser membro não impede que o país seja avaliado pelo próprio Conselho e ter resoluções contrárias às suas posições. “Sua participação como membro o coloca sob maior escrutínio público. A prestação de contas junto à sociedade, na verdade, é muito mais ampla”, conclui.
Atualização: a resposta do Brasil (02/09/2018)
Em resposta ao pedido de informações da ONU e da CIDH, encaminhado no dia 27 de agosto, o Estado brasileiro diz reafirmar “seu compromisso com a proteção dos direitos humanos nas atividades de segurança pública” e informa que o tema “Direitos Humanos” é parte essencial do currículo de soldados e agentes [de segurança]. Neste sentido, em 2018, o Estado do Rio organizou 23 treinamentos sobre igualdade racial e liberdade religiosa, dos quais 15 foram focados no treinamento de agentes de segurança.