“Tortura Blindada” é resultado do trabalho de campo realizado pela Conectas em duas etapas – entre julho e dezembro de 2015 (período de observação) e de dezembro de 2015 a maio de 2016 (período de acompanhamento). A coleta de dados consistiu na observação atenta não só dos atos formais das audiências de custódia, mas também de aspectos que escapam às filmagens e aos documentos, como as interações entre juízes, promotores e defensores antes e depois da sessão, a postura de policiais e detidos e o ambiente em que acontecem.
Listamos abaixo 8 perguntas e respostas sobre a metodologia aplicada na análise dos dados e sobre as principais conclusões do estudo:
A definição utilizada na elaboração do relatório reflete a legislação nacional, mas também as normas e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil (ver linha do tempo aqui). De modo geral, foram incorporados todos casos de violência física ou psicológica, incluindo tapas, socos, chutes, pisões, spray de pimenta, “pisões”, enforcamentos, choques, atropelamentos, ameaças de morte e ameaças sexuais.
A pesquisa identificou e tabulou 393 casos em que a pessoa presa tinha algum sinal de violência. Foram considerados como sinais de violência: 1) aspectos físicos observados pela equipe de campo, como ferimentos recentes, dificuldade de caminhar e roupas rasgadas ou manchadas de sangue; 2) o testemunho das pessoas presas durante a audiência ou na entrevista prévia com o defensor; 3) o testemunho de terceiras pessoas que teriam presenciado a agressão; 4) realização de audiência sem a presença do custodiado – situação conhecida como audiência-fantasma, que ocorre quando a pessoa é hospitalizada por conta da gravidade dos ferimentos sofridos durante a detenção.
Não, nem sempre a pessoa presa, mesmo apresentando marcas de agressão, quis afirmar categoricamente em juízo que havia sido vítima de agressões. Dos 393 casos, em 363 houve relato direto durante a audiência; em três a pessoa presa não estava presente – situação denominada como audiência-fantasma (saiba mais sobre isso aqui); e em 27 a pessoa presa preferiu não fazer comentários sobre violência. Ao menos 12 detidos se abstiveram de narrar episódios de tortura e maus-tratos ao juiz mesmo depois de terem mencionado-os ao defensor público na entrevista que acontece antes da audiência.
Não, o objetivo da pesquisa era analisar o comportamento das instituições do sistema de Justiça diante suspeitas de tortura e maus-tratos. Esse era o critério para a inclusão de casos na amostra: a existência de indícios físicos ou relatos sobre violência no momento da prisão em flagrante.
Não, o estudo traz informações sobre as vítimas de violência incluídas na amostra, mas o levantamento não foi censitário, ou seja, não pretendeu abarcar todas as pessoas que sofreram tortura em São Paulo no período analisado. Portanto, não é possível dizer que o perfil dos presos evidenciado aqui necessariamente coincide com o perfil de quem sofre tortura no Estado ou no país. A pesquisa pode indicar tendências ou grupos particularmente vulneráveis, mas a confirmação dessa hipótese requer estudos posteriores.
“Tortura Blindada” mostra por meio de dados que os órgãos do sistema de Justiça, em particular o Ministério Público e a Magistratura, atuam de forma negligente diante de relatos de violência policial feitos pelas pessoas presas em flagrante, chegando em alguns casos a deslegitimar os testemunhos ou justificar as agressões. Dessa maneira, essas instituições esvaziam um dos principais objetivos das audiências de custódia, que é justamente combater e prevenir a tortura e os maus-tratos. Para a Conectas, agir dessa maneira é perpetuar a violência.
Sim, os representantes da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria e do Instituto Médico Legal tinham ciência do estudo. Não é possível saber se essa informação alterou seu comportamento durante as audiências observadas.
Diante da conclusão que os operadores do sistema de Justiça contrariam as normas e disposições nacionais e internacionais de prevenção e combate à tortura e maus-tratos, Conectas apresentou representações à Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, à Procuradoria Geral de Justiça e ao Conselho Superior da Defensoria Pública demandando a apuração das condutas evidenciadas pela pesquisa e a criação de protocolos que garantam a efetividade desse instrumento no combate à violência policial.