Voltar
-
17/12/2020

Fechamento de fronteiras para refugiados não possui base jurídica e sanitária, diz estudo

Parecer técnico, encomendado pela Conectas, foi encaminhado a Ministérios e demais órgãos federativos envolvidos no fechamento das fronteiras terrestres e aquaviárias



Após mais de nove meses das fronteiras terrestres fechadas a migrantes e refugiados, um parecer técnico do CEPEDISA (Centro de Pesquisas De Direito Sanitário) da Universidade de São Paulo apontou que a medida do governo federal, em vigor desde março, é injustificável e não possui base científica. O relatório afirma ainda que as portarias editadas pelo governo federal são seletivamente discriminatórias. 

O estudo, encomendado pela Conectas, foi encaminhado nesta quarta-feira (16) aos ministérios da Justiça, Saúde e Infraestrutura, além da Casa Civil e demais órgãos responsáveis pela restrição. 

De acordo com o parecer, o impedimento de entrada em portos, aeroportos e fronteiras terrestres apenas se justificaria na fase inicial da pandemia. Nesta etapa, classificada como fase de contenção, é necessário localizar pessoas vindas de áreas de transmissão e identificar casos suspeitos e confirmados, que devem ser submetidos a isolamento pelo período de 14 dias. 

Tais restrições visam a impedir que haja a transmissão sustentada no país, ou seja, casos de contágio pelo vírus entre a população, sem que as pessoas contaminadas tenham viajado para fora do território nacional. Desde março, o Brasil se encontra na situação de transmissão sustentada.

“A partir do momento que temos a transmissão sustentada e, especialmente, quando a mesma se dissemina para todas as regiões de um país, atingindo inclusive, cidades de médio e pequeno porte, as medidas sanitárias de fechamento de portos, aeroportos e de fronteiras terrestres perdem boa parte de sua eficácia e deixam de ser a melhor solução para o controle da epidemia”, destaca o documento.

Nessa fase, o mais indicado são as ações de mitigação da pandemia, como distanciamento social, cuidados de higiene pessoal e testagem em massa dos contatos de casos confirmados para o rastreamento e identificação de novos casos. 

“O fechamento das fronteiras terrestres brasileiras é desmesurado e desdotado de lógica de controle epidemiológico adequado”, ressalta o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Fernando Aith, responsável pelo estudo. “Se não-brasileiros podem entrar por via aérea respeitadas algumas condições, o mesmo tratamento poderia ser dado a quem esteja ingressando por via terrestre”. 

Restrições humanitárias

Após a injustificada proibição da entrada de pessoas vindas da Venezuela por via terrestre no início do ano, uma nova portaria reabriu as fronteiras aéreas para estudantes e turistas em julho, porém, a regra excluía a possibilidade de entrada de migrantes com visto humanitário. 

“Famílias que consigam chegar ao Brasil pelas fronteiras terrestres, deixando para trás guerras e conflitos, não podem solicitar refúgio e são deportadas, enquanto turistas com poder aquisitivo que viajem de avião estão autorizados a entrar”, afirma Camila Asano, diretora de programas da Conectas. “A seletividade discriminatória tem marcado as decisões do governo para reabertura das fronteiras. Contemplam-se aspectos econômicos, mas não humanitários e nem sanitários. Só isso explica a autorização a turistas e a abertura apenas da fronteira terrestre com Paraguai, por um lado, e imposição de penalidades cruéis a refugiados, por outro”, completa.

Veja aqui os principais pontos violadores de direitos humanos da atual portaria de fechamento de fronteiras, segundo parecer técnico do CEPEDISA-USP:

  • Violação dos princípios da isonomia (Art. 5o, caput) e da finalidade dos atos administrativos (Art. 37 da CF), que deve ser sempre o interesse público;
  • A discriminação aos venezuelanos fere subsidiariamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, básicos do direito administrativo e que dão contornos aos princípios constitucionais da motivação, finalidade e transparência dos atos da Administração Pública (Art. 37 da CF);
  • Violação do artigo 32 do Regulamento Sanitário Internacional – RSI, que prevê que os Estados Partes tem a obrigação de minimizar “qualquer incômodo ou angústia associado a medidas restritivas” e outra assistência apropriada a viajantes que se encontrem em quarentena, isolados ou sujeitos a outros procedimentos para fins de saúde pública.
  • Acesse aqui o ofício enviado pela Conectas aos ministérios
  • Acesse aqui o ofício enviado pela Conectas à Polícia Federal

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas