O respeito aos direitos indígenas, em especial a necessidade de reconhecimento e demarcação de seus territórios, bem como a proteção dos defensores de direitos humanos e ambientais foram algumas das recomendações mais repetidas pelos estados-membros das Nações Unidas ao Brasil durante o quarto ciclo da RPU (Revisão Periódica Universal), realizada nesta segunda-feira (14) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça).
Dos 119 países que participaram da sessão de revisão da situação dos direitos humanos do Brasil, mais de 25, entre eles México, Peru, Espanha, Suíça, Reino Unido, EUA, Canadá, Dinamarca e Alemanha, destacaram a necessidade de demarcar territórios indígenas, fortalecer órgãos de proteção como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e rejeitar a tese do marco temporal.
A Noruega foi um dos países mais incisivos neste aspecto ao recomendar que o Brasil “complete os processos de demarcação de terras, rejeite a tese do marco temporal e assegure que os povos indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e expulsões forçadas”, além de assegurar o “respeito ao direito dos povos indígenas do consentimento livre, prévio e informado ao estabelecer procedimentos formais e inclusivos”.
Paralelamente à questão dos povos originários, Peru, Moçambique, Reino Unido, Angola e França celebraram a realização de eleições democráticas, mas pelo menos 16 países cobraram proteção a defensores dos direitos humanos e ambientais e jornalistas como forma de garantir a atuação da sociedade civil e a liberdade de imprensa. Apesar da defesa que a delegação brasileira fez de seu trabalho nessa área, o relatório da ONG internacional Global Witness ainda coloca o Brasil no topo dos países que mais matam defensores em todo o mundo, com 342 assassinatos nos últimos dez anos.
“A comunidade internacional está atenta e informada sobre as principais violações sofridas pela população brasileira nos últimos quatro anos”, afirma Camila Asano, diretora de programas da Conectas. “Para além do número recorde de mortes de defensores registradas, o governo federal trabalhou ativamente nos últimos quatro anos para criminalizar o trabalho da sociedade civil e perseguir opositores, bem como para combater a demarcação de terras indígenas, aumentar o armamento da população e incitar ataques à imprensa”, complementa.
Diferente dos ciclos anteriores, em que a segurança pública tomou maior protagonismo entre as recomendações da comunidade internacional, desta vez o combate ao racismo e à violência contra a população negra teve destaque. Em especial, mais de 15 países pediram ao Brasil maior atenção à letalidade policial contra população negra, aos desaparecimentos forçados, à prevenção e combate à tortura e acesso à justiça à população mais pobre. Canadá e Bélgica, por exemplo, foram dois Estados que cobraram maior investigação e responsabilização por abuso da força por agentes policiais.
Já a Argentina abordou a questão do racismo pela perspectiva interseccional com grupos LGBTI – outro foco de preocupação da comunidade internacional. Pelo menos nove países pediram maior compromisso do Brasil com esta população e cobraram medidas de combate ao discurso de ódio e à violência.
Por fim, outro tema de destaque neste quarto ciclo de revisão do Brasil foi o respeito aos direitos das mulheres, seja no combate à violência de gênero ou no pleno acesso a direitos sexuais e reprodutivos. Apesar de a comitiva brasileira reforçar por mais de uma vez na sessão de hoje que o Brasil entende a vida a partir da concepção – o que contraria a própria legislação brasileira que prevê o aborto em casos de estupro, risco de morte da mãe ou, via determinação do Supremo Tribunal Federal, anencefalia – países como Nova Zelândia e Noruega pediram explicitamente que o país regulamente o acesso legal ao aborto.
A cada quatro anos e meio, aproximadamente, todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas são sabatinados sobre as medidas adotadas para o enfrentamento das violações de direitos humanos em seus países. A RPU, que acontece no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, é uma espécie de prestação de contas na área dos direitos humanos.
Neste ano, o Brasil passou por sua quarta revisão desde que a RPU foi criada, em 2006. Nessa ocasião, 119 Estados-membros fizeram recomendações ao país tendo como base três documentos: o que o Brasil diz sobre si mesmo; os problemas apontados pela sociedade civil; e o compilado de relatórios de agências da ONU sobre os direitos humanos no Brasil.
No seu primeiro relatório, o governo destacou pontos como o andamento de adesões às normas internacionais, o desenvolvimento de métodos para acompanhar os avanços na área, e uma avaliação sobre os novos desafios, bem como a evolução das recomendações feitas na última revisão. Ao mesmo tempo, a sociedade civil e a ONU também elaboram relatórios a serem comparados com a versão oficial dos fatos. Os três documentos foram encaminhados aos Estados-membros, a fim de elaborarem suas recomendações. O governo sabatinado pode, então, aceitar ou recusar essas novas recomendações.
Para saber mais sobre a RPU, acesse: https://www.conectas.org/noticias/rpu-2022