Congresso Nacional: veja propostas e leis já aprovadas que agravam a crise climática
Entenda quais são os projetos de lei no Congresso Nacional que representam retrocessos para o meio ambiente e para os direitos humanos
Indígenas brasileiros participam de sessão no Congresso Nacional durante o Acampamento Terra Livre em Brasília, 23 de abril de 2024. (Foto: Evaristo Sa / AFP)
Ainda que a política ambiental e climática no Brasil tenha ganhado um novo paradigma no âmbito do Executivo Federal, tramitam ou já foram aprovadas no Congresso Nacional propostas legislativas que representam retrocessos significativos. Conhecidos como “Pacote da Destruição Socioambiental”, esses textos têm o potencial de agravar a crise climática, negando, inclusive, dados científicos, mesmo em momentos de eventos extremos e catástrofes.
Dentre esses retrocessos, destaca-se a Lei 14.701, que ataca os direitos indígenas ao instituir a tese do “marco temporal”, que já foi aprovado pelo Congresso Nacional em outubro do ano passado. Agora, a lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) em ações propostas pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), partidos políticos e outras organizações.
Especificamente sobre a discussão do marco temporal, quando a proposta estava em tramitação no parlamento brasileiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) destacou que o não reconhecimento da identidade histórica, cultural e de direitos dos povos indígenas e quilombolas é resultado da discriminação racial e estrutural a que sempre estiveram submetidos no país. Na mesma época, a ONU enfatizou que o marco temporal viola os direitos fundamentais dos povos indígenas, estabelecidos pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, colocando em risco não apenas suas vidas e culturas, mas também o equilíbrio ambiental de suas regiões.
“A relação entre direitos humanos e clima é inegável e assume diferentes formas, afetando diversas comunidades. Esses projetos de lei não só prejudicam a população em geral, exacerbando os impactos das mudanças climáticas, como também atacam diretamente os direitos dos povos indígenas e quilombolas, grandes responsáveis pela proteção da biodiversidade”, afirma João Godoy, coordenador do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas
De acordo com Godoy, “para que o Brasil possa empreender uma ação climática efetiva e inclusiva, é preciso integrar direitos humanos e socioambientais – guiando-se pela justiça climática, o combate ao racismo ambiental, proteção aos territórios indígenas e tradicionais e a garantia da democracia”.
A degradação ambiental resultante desses projetos afetam a saúde, a segurança alimentar e a qualidade de vida de todos, ao mesmo tempo que enfraquecem a proteção dos ecossistemas mantidos por essas comunidades tradicionais.
Segundo o Observatório do Clima (OC), uma rede de entidades ambientalistas que lutam contra a crise climática, há pelo menos 25 projetos de lei e propostas de emendas constitucionais com potencial de agravar a crise climática.
Essas leis “afetam direitos consagrados em temas como licenciamento ambiental – importante ferramenta da sociedade contra atividades econômicas potencialmente destrutivas, grilagem, direitos indígenas, financiamento da política ambiental. Há ainda outras que flexibilizam o Código Florestal, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceano e zonas costeiras, sendo que alguns têm alta probabilidade de avanço imediato”, afirma a publicação do OC.
PL do Marco Temporal: viola o direito constitucional ao território dos povos indígenas
Em vigor na Lei PL 14.701/2023, regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas. Diversas organizações indígenas, indigenistas, ambientais e de direitos humanos denunciaram na ONU a tramitação desta lei. Não houve consulta a importantes comissões do Congresso, tampouco consulta livre, prévia e informada que permitisse a participação ativa dos povos indígenas. Além de tudo isso, a lei é incompatível com padrões internacionais e tratados de direitos humanos.
Retrocessos:
- Institui a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, ou seja, condiciona o direito a seus territórios ancestrais apenas para os povos que neles se encontravam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição
- Autoriza a construção de estradas, barragens e outras obras em terras indígenas sem consulta prévia, livre e informada
- Permite o cultivo de soja, a criação de gado, e em terras indígenas
- Cria regras para tornar o processo de demarcação infindável, de modo que seja impossível a sua conclusão
- Impede que invasores de terras indígenas possam ser retirados enquanto o processo de demarcação não for finalizado, viabilizando invasões e facilitando a ação do crime organizado
- Acaba com a política de não-contato com povos indígenas em isolamento
- Reformula conceitos constitucionais da política indigenista, como a tradicionalidade da ocupação, os direitos originários e o uso exclusivo dos territórios pelos povos indígenas
- Permite que terras já demarcadas e homologadas possam ser retomadas pela União caso haja alteração dos “traços culturais” dos indígenas ou outras mudanças ocasionadas pelo “decurso do tempo” malferindo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e criando critérios racistas e superados pela legislação internacional como a ideia de “aculturação” e de possibilidade da definição da identidade indígena ser determinada a partir de critérios subjetivos e unilaterais do Estado brasileiro
PL dos Agrotóxicos: altera as regras de aprovação e comercialização de produtos químicos para a agricultura
Promulgada em dezembro de 2023, o então conhecido como “PL do Veneno” flexibiliza a regulamentação e o uso de agrotóxicos no Brasil. Apresentado há 25 anos pelo então senador Blairo Maggi (sem partido/MT), inicialmente a proposta buscava alterar a Lei dos Agrotóxicos em dois itens. O texto atual, no entanto, revoga a legislação vigente, apresentando 67 novos artigos.
Com forte apoio da bancada do agronegócio e de ruralistas no Congresso Nacional, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), foi aprovado na Comissão em 2018, sob relatoria do Dep. Luiz Nishimori (PSD/PR) e presidência de Tereza Cristina (PP/MS), na época era deputada federal.
Mais de 300 organizações e órgãos públicos, como a Fiocruz, Inca, Anvisa e Ibama, assinaram um abaixo-assinado contra a proposta que busca atender aos interesses das multinacionais agroquímicas e atacar a saúde e os direitos da população.
Retrocessos:
- Facilita a aprovação de agrotóxicos e o registro de novas substâncias, reduzindo os critérios de avaliação e o tempo necessário para a aprovação.
- Centraliza competências ao excluir órgãos fundamentais em termos de saúde (Anvisa) e meio ambiente (Ibama) do processo decisório de aprovação de um novo agrotóxico, reduzindo a influência de órgãos de saúde e ambientais
- Diminui as restrições ao uso de substâncias que atualmente são consideradas perigosas para a saúde humana e o meio ambiente.
- Facilita a entrada de agrotóxicos genéricos no mercado, permitindo o uso de substâncias já existentes sem necessidade de novos estudos detalhados de impacto.
- A flexibilização pode aumentar a exposição do meio ambiente, da população e principalmente de comunidades vulnerabilizadas a substâncias tóxicas, com possíveis consequências adversas à saúde pública e à biodiversidade.
- Exclui a expressa proibição na aprovação de substâncias carcinogênicas, teratogênicas e mutagênicas e remove a necessidade de priorizar a aprovação de moléculas menos tóxicas
PL do Licenciamento Ambiental: enfraquece as normas para licenciar áreas para empreendimentos
Há uma longa discussão sobre a necessidade de um processo de licenciamento ambiental amplo e unificado. Atualmente, os empreendimentos precisam cumprir exigências federais e se adaptar a regras estaduais que variam bastante.
Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto 2159/2021 aguarda análise pelo Senado Federal sob relatoria da senadora Tereza Cristina (PP/MS), e do senador Confúcio Moura (MDB/RO) nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente. Com forte apelo de aprovação vindo da Frente Parlamentar da Agropecuária e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) , o projeto enfraquece o licenciamento ambiental no país.
Entidades ambientalistas, como a coalizão de ONGs Observatório do Clima, temem que a aprovação represente a “mãe de todas as boiadas”, nas palavras de Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da coalizão.
Retrocessos:
- O licenciamento ambiental, principal ferramenta para evitar danos socioambientais, deixa de ser a regra.
- Através do Licenciamento autodeclaratório (LAC), empreendedores não precisam apresentar estudos ambientais
- Muitas atividades ficam isentas de licenciamento ambiental.
- Estados ganham liberdade para definir tipos de empreendimentos e exigências de estudos ambientais, eliminando diretrizes nacionais.
- Aumenta a incerteza legal e incentiva uma competição entre estados para atrair investimentos com menos proteção ambiental.
- Limita medidas mitigadoras para impactos indiretos, como desmatamento, emissão de gases e fatores socioeconômicos.
- Ameaça comunidades indígenas e tradicionais, ao considerar impactos ambientais apenas sobre aquelas em áreas homologadas ou tituladas.
- Reduz o poder dos órgãos gestores, como o ICMBio, retirando seu veto e limitando sua atuação a um papel consultivo.
PLs da Grilagem: flexibilizam normas sobre regularização fundiária, legalizando a ocupação irregular de terras públicas
Com tramitação em andamento no Senado Federal e anexado ao PL 510/2021, do senador Irajá Abreu (PSD/TO), o PL 2633/2020, do deputado Zé Silva (SOLIDARIEDADE/MG), foi aprovado na Câmara dos Deputados em agosto de 2021. Tem como relatores o senador Marcos Rogério (PL/RO) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e a senadora Eliziane Gama (PSD/MA) na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
O projeto busca flexibilizar as normas de regularização fundiária. Um direito já garantido pela Lei nº 11.952 de 2009, que foi flexibilizada em 2017. Com forte apelo da bancada ruralista, o objetivo real do projeto é estender esses direitos a grileiros e latifundiários, permitindo a legalização da ocupação irregular de terras públicas.
Retrocessos do PL 2633/2020:
- Amplia a dispensa de vistoria de pequenas ocupações (até quatro módulos fiscais) para áreas médias de até seis módulos.
- Permite a regularização futura de terras públicas invadidas a qualquer momento, via licitação.
- Dispensa imóveis de até seis módulos de aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em caso de dano ambiental, exigindo apenas a apresentação do CAR, o que é incompatível com o Código Florestal.
Retrocessos do PL 510/2020:
- Concede anistia a quem invadiu e desmatou terra pública ilegalmente até dezembro de 2014.
- Aumenta o risco de titular áreas em conflito ou prioritárias, eliminando a vistoria prévia para latifúndios de até 2.500 ha e enfraquecendo os casos em que a vistoria é obrigatória.
- Permite a emissão de novos títulos de terra para aqueles que já foram beneficiados com terras públicas anteriormente.
- Incentiva a ocupação contínua e o desmatamento de terras públicas, dando direito de preferência na venda por licitação a ocupantes após dezembro de 2014.
- Permite titular áreas desmatadas ilegalmente sem exigir a regularização de passivo ambiental, se não houve autuação ambiental.
PEC do Marco Temporal: limita os direitos territoriais dos povos indígenas
Logo após a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal decidirem pela anulação da tese referente ao Marco Temporal, uma proposta de emenda foi apresentada pelo senador Dr. Hiran (PP/RR). Além dele, outros 26 senadores ligados à ala do agronegócio e mineração assinam a PEC que visa constitucionalizar o Marco Temporal. O texto considera o dia da promulgação da Constituição – 5 de outubro de 1988 – como referência para a garantia do direito à terra: apenas povos que estivessem no território naquele momento teriam direito à demarcação.
A emenda está em tramitação no Senado Federal, onde a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) avalia se a proposta cumpre os requisitos formais e constitucionais para ser discutida e votada. A PEC não passará por outras comissões antes de ir ao plenário.
Retrocessos:
A PEC limita os direitos dos povos indígenas às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, ignorando os deslocamentos forçados antes dessa data.
- A proposta retrocede nas conquistas de direitos garantidos pela Constituição de 1988, que reconhece os direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas sem mencionar um marco temporal.
- Restringe os direitos territoriais e ameaça a preservação das culturas e modos de vida indígenas.
- A falta de demarcação pode intensificar conflitos entre indígenas e setores do agronegócio e mineração.
- A PEC pode violar tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção 169 da OIT.
- Negar direitos territoriais perpetua a pobreza e marginalização das comunidades indígenas.
PEC 59/2023: demarcação de terras indígenas ao Congresso Nacional e não ao Poder Executivo
A proposta foi apresentada por Carlos Viana (PODEMOS/MG) e outros senadores no fim de 2023 e agora está em tramitação no Senado Federal.
Conta com forte apoio da bancada ruralista, que tem interesse em facilitar a exploração agrícola e mineral em territórios indígenas, propõe transferir a competência de demarcação de terras indígenas, atualmente sob a responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), para o Congresso Nacional.
O processo de demarcação de terras é regulamentado pelo Decreto nº 1.775/96, sendo competência do Poder Executivo. Esta alteração significaria que o processo de demarcação, que é técnico e jurídico, passaria a ser uma decisão predominantemente política.
Retrocessos:
- A proposta fere a cláusula pétrea da Constituição que garante a separação dos Poderes, pois transfere ao Congresso Nacional a competência para demarcar terras indígenas, uma atribuição que historicamente pertence ao Poder Executivo.
- A Funai, criada para proteger os direitos indígenas, perderia uma de suas funções mais importantes, enfraquecendo a instituição e deixando as comunidades indígenas mais vulneráveis a pressões externas
- A demarcação de terras indígenas é um processo técnico, baseado em estudos antropológicos, históricos, e jurídicos. Transferir essa competência para o Congresso Nacional politiza o processo, sujeitando-o a interesses partidários e econômicos, ao invés de critérios técnicos e de justiça histórica
- Mesmo se aprovada por meio de Emenda Constitucional, a delegação dessa competência ao Congresso tende a ser judicializada, pois interfere em direitos fundamentais dos povos indígenas e contraria princípios já estabelecidos na Constituição.
PL 6050/2023: flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas em terras indígenas
Este projeto foi proposto pela CPI das ONGs e está sendo analisado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, onde aguarda a designação de relator.
O projeto, ainda em estágio inicial de tramitação no Senado Federal, não recebeu emendas até o momento e será analisado também pelas Comissões de Serviços de Infraestrutura, Meio Ambiente, e Constituição, Justiça e Cidadania
Retrocessos:
- O projeto pretende regular a exploração mineral e outras atividades econômicas em terras indígenas. Isso pode abrir espaço para uma intensificação da exploração desses territórios, com potenciais impactos socioambientais negativos, como desmatamento, poluição de recursos hídricos e perda de biodiversidade.
- Ao flexibilizar as atividades econômicas em terras indígenas, o projeto subentende uma diminuição dos direitos e da proteção dessas comunidades. Isso contraria o direito constitucional dos povos indígenas à sua terra e aos recursos naturais nela contidos, além de desconsiderar a consulta prévia, livre e informada, como previsto em tratados internacionais e na Constituição brasileira.
PL 4546/2021: Institui uma política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos
Em tramitação na Câmara dos Deputados. Apresentado pelo Poder Executivo em 2021, foi apensado ao PL 603/2003, aguardando parecer da relatora, deputada Adriana Ventura (NOVO/SP) na Comissão de Administração e Serviço Público (CASP).
Considerado por ambientalistas como “PL da privatização da água”, o projeto propõe uma abordagem de infraestrutura hídrica que pode desconsiderar a sustentabilidade e a gestão integrada dos recursos hídricos preconizada pela Política Nacional de Recursos Hídricos.
Retrocessos:
- Impacta drasticamente a Política Nacional de Recursos Hídricos, retirando a descentralização e a gestão participativa da água.
- Reduz a autonomia dos comitês de bacias na aprovação dos planos de bacias hidrográficas.
- Não considera a água como bem público, desrespeitando seu status como direito humano e princípios constitucionais.
- A priorização de obras de grande porte, como barragens, historicamente têm deslocado comunidades locais e indígenas, gerando conflitos sociais e perda de territórios tradicionais, o projeto intensifica esses problemas sem oferecer soluções adequadas para os afetados
- Ao incentivar a participação da iniciativa privada no financiamento e exploração de infraestruturas hídricas, o projeto pode levar a uma pressão excessiva sobre bacias hidrográficas críticas, aumentando a vulnerabilidade dessas áreas