“A única coisa boa do Maranhão é o Presídio de Pedrinhas. (…) Tem que dar vida boa para aqueles [presos] canalhas? Tem que se foder e acabou. É a minha ideia”. A fala é do então deputado federal Jair Bolsonaro, ao ser indicado à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em 2014. Em entrevista a jornalistas, o político afirmou ainda que não deveria defender “marginais” como se fossem excluídos da sociedade. Segundo ele, sua comissão não teria espaço para ajudar esse tipo de minoria — Bolsonaro acabou sendo derrotado pelo petista Assis do Couto.
Na época, a situação do Complexo Penitenciário de Pedrinhas — hoje Complexo Penitenciário São Luís — já estava insustentável. Só entre junho e julho daquele ano, três homens foram encontrados mortos dentro de suas celas em menos de 48 horas. Motins violentos e assassinatos por enforcamento faziam parte da paisagem local. No ano seguinte, autoridades tomaram conhecimento, inclusive, de um ato de canibalismo ocorrido em 2013, quando um preso foi morto por uma facção rival e teve seu fígado assado e comido pelos mandantes em um churrasco.
Ainda em 2013, a violência no presídio já atingira seu ápice, com rebeliões constantes e 64 mortes registradas, tornando-se uma referência para o descontrole e a falência do sistema prisional brasileiro. Na época, uma parceria entre o Governo do Maranhão e o Governo Federal foi firmada, anunciando uma série de medidas para conter a situação. Atualmente, na gestão presidencial de Bolsonaro, segundo a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP), não existe uma parceria formal com o Governo Federal: “A relação estabelecida é com Departamento Penitenciário Nacional, tendo em vista que este é responsável por fiscalizar e dar suporte ao Sistema Penitenciário em todo o país”.
O advogado da Conectas Henrique Apolinário, membro do CNPCT (Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), lembra que, embora a falência do sistema seja estrutural, perpassada pela ação dos governos locais e federal, algumas coisas chamam atenção no novo governo. “Primeiramente, o comportamento jocoso, quase de celebração, do presidente frente aos episódios de mortes de pessoas presas”, afirma o advogado. “Segundo, o mesmo presidente sempre foi aberto seu apoio à tortura e a condições desumanas de vivência nos centros de detenção.”
Para Apolinário, Pedrinhas segue em constante riscos de rebeliões e massacres. “Pode se falar, recentemente, em avanços administrativos, resultando em uma melhora pontual no acesso ao estudo, por exemplo. Entretanto, a arquitetura do complexo é antiga, sendo que muitas unidades não são aptas a abrigar humanos – por ausência de ventilação e iluminação.”
Em novembro de 2018, o presídio recebeu a visita de uma comitiva da Organização dos Estados Americanos (OEA). Segundo a organização, a unidade prisional deveria realizar uma ampla reforma de acordo com a regulação internacional, que tem normas específicas para higiene, condições climáticas, aquecimento e iluminação, além de determinar a separação dos presos por delitos cometidos, não apenas pela filiação a uma facção.
Sem especificar o andamento das obras, a SEAP afirma que, atualmente, as reformas estão sendo executadas. A Secretaria informa ainda sobre o funcionamento de três galpões que foram construídos como espaços para atividades laborais, tais quais oficinas de malhas, lavanderia, oficina de serigrafia, oficinas de vassouras, oficina de chinelos e fábrica de saneantes. Apesar de não ter uma data especificada, a construção de mais um galpão do tipo está prevista.
Com 2.950 vagas para 3.972 presos, Pedrinhas enfrenta ainda outros problemas. “As melhoras pontuais são constantemente afastadas pelo prosseguimento do hiperencarceramento, que impede a gestão sustentável da vida no Complexo”, acredita Apolinário.
Para aliviar a superlotação, o governo conta ainda com mutirões das Defensorias Públicas a fim de corrigir irregularidades nas ordens de prisão. Em 2019, foram realizadas ações do tipo nas cidades de Itapecuru Mirim, Davinópolis, Balsas, e Rosário, além de uma força tarefa no município de Chapadinha prevista para setembro. Segundo a SEAP, em São Luís, os atendimentos acontecem de acordo com as necessidades apresentadas pelas unidades prisionais, mas a capital conta ainda com Especialistas Penitenciários Jurídicos (EPJ) que fazem, periodicamente, levantamentos de demandas de diagnósticos de prioridade para encaminhamento à Defensoria Pública.
Atualmente, o Sistema Penitenciário do Maranhão possui 136 oficinas de trabalho e 2.250 internos trabalhando. Além disso, 2.592 presos estão inseridos em atividades educacionais. Em Pedrinhas, presos em regime semiaberto trabalham na pavimentação de ruas e na construção de móveis aproveitados pelos órgãos públicos do Estado. Com aulas de ensino fundamental e médio, outro resultado comemorado foi o número de aprovações no Enem para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL), em 2018.
Apesar da constante defasagem, os esforços tornam notável a redução da violência no lugar. “Nós conseguimos reduzir, no ano passado, de 61 para 3 [o número de] mortes, que muito, inclusive, me indignam, porque eu desejo que seja zero”, relembrou Flávio Dino, no evento americano. Em 2019, uma morte foi registrada no presídio até agora. O trabalho de ONGs como a Conectas, que fiscalizam e monitoram as atividades em lugares como o complexo de Pedrinhas, mostram que uma sociedade mais segura depende da aplicação e do respeito aos direitos humanos básicos.