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Notícia
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05/06/2025

Como a desinformação ameaça a resposta à crise climática

A proliferação de conteúdos falsos ou distorcidos nas redes sociais dificulta a implementação de políticas públicas e agrava os riscos para populações vulnerabilizadas em meio à emergência climática

Foto: Manjunath KIRAN / AFP Foto: Manjunath KIRAN / AFP


A circulação de desinformação sobre mudanças climáticas tem crescido em diferentes países, inclusive no Brasil, dificultando o avanço de políticas públicas e comprometendo respostas à emergência ambiental. Longe de ser apenas uma disputa de opiniões, o fenômeno ameaça direitos fundamentais como saúde, moradia e alimentação — sobretudo entre populações já vulnerabilizadas pelos efeitos das mudanças no clima. Na Semana do Meio Ambiente, Conectas reflete sobre o tema. 

Considerada um dos maiores desafios do século XXI, a crise climática impacta diretamente o direito à vida, à segurança alimentar e à habitação digna. Em meio a esse cenário, a desinformação se consolida como mais um obstáculo grave à formulação de políticas públicas eficazes e ao engajamento social necessário para uma transição ecológica justa.

A circulação de conteúdos manipulados e negacionistas da crise climática confunde a opinião pública e favorece interesses econômicos contrários à regulação ambiental. O resultado é o enfraquecimento de estratégias de mitigação e adaptação — e o agravamento da situação de povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, periféricas e moradores de regiões de risco.

Ecossistema da desinformação climática no Brasil

De acordo com pesquisas do NetLab/UFRJ, a desinformação climática no Brasil opera em um ecossistema digital bem articulado, que inclui pessoas influenciadoras, plataformas como o YouTube e redes sociais. Essas estruturas digitais monetizam a desinformação, financiando e lucrando, direta e indiretamente, com vídeos negacionistas por meio de anúncios.

A articulação multiplataforma reforça o chamado efeito de câmara de eco, no qual as pessoas usuárias são expostas continuamente, nas diferentes plataformas, a conteúdos negacionistas , isolando-as de visões críticas ou científicas. Essa dinâmica amplia a polarização e dificulta a construção de consensos sociais fundamentais para a resposta coletiva à crise climática .

Eventos extremos como gatilho para teorias conspiratórias

Desastres ambientais também vêm sendo explorados por esse ecossistema. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2023, foram rapidamente apropriadas por narrativas conspiratórias que desviaram o foco das suas causas estruturais, ligadas às mudanças climáticas. Além disso,  projetos como o Amazonas: mentira tem preço mostram como a cobertura sobre o clima na região amazônica continua escassa e desconectada das realidades locais, abrindo espaço para a proliferação de conteúdos falsos ou distorcidos.

Desinformação compromete direitos e paralisa políticas

 A desinformação também leva ao aprofundamento do descrédito das instituições e dificulta a tomada de ações urgentes por parte do poder público. A falta de uma base comum de dados confiáveis, acompanhada da circulação de conteúdos que propagam inverdades sobre a ação de governos, como foi no Rio Grande do Sul, reduz a capacidade de reação governamental e contamina o debate público . Comunidades já vulnerabilizadas têm seus direitos fundamentais ameaçados pela demora em políticas de adaptação e mitigação, ao mesmo tempo em que a circulação de desinformação afeta significativamente os esforços de ajuda humanitária ao criar obstáculos adicionais em situações já críticas.

Caminhos para enfrentar a desinformação climática

Para enfrentar a desinformação climática, especialistas defendem uma série de medidas urgentes que envolvem tanto o setor público quanto as empresas de plataformas digitais. Entre as principais recomendações estão a responsabilização das plataformas pelo conteúdo que hospedam e monetizam, a revisão de algoritmos que priorizam conteúdos sensacionalistas e falsos e a desmonetização de canais que propagam desinformação. Também é fundamental fortalecer a comunicação científica, investindo em linguagem acessível e em mídias populares, além de ampliar a educação climática e a alfabetização midiática desde os currículos escolares até a formação continuada de educadores.

A Sala de Articulação contra a Desinformação, coalização de organizações da sociedade civil da qual Conectas faz parte, publicou um documento com propostas para a regulação das plataformas digitais no Brasil, com especial atenção à crise climática e à proteção ambiental. O grupo defende medidas específicas para combater a desinformação socioambiental, como o negacionismo climático e ataques virtuais a defensores ambientais, além de exigir mais transparência e responsabilidade das plataformas sobre conteúdos impulsionados.

Entre os consensos, destaca-se a necessidade de que os termos de uso das plataformas incluam regras claras contra conteúdos que neguem evidências científicas sobre mudanças climáticas e desmatamento. Também é proposto que perfis de ambientalistas, indígenas e quilombolas recebam proteção especial contra ataques coordenados. O documento sugere ainda a criação de relatórios específicos sobre ações de moderação e impacto de algoritmos, bem como a constituição de um órgão regulador independente com abordagem multissetorial e participação social efetiva.

A iniciativa aponta a urgência de enfrentar a desinformação como uma questão de direitos humanos e justiça socioambiental, ressaltando que a regulação digital deve contribuir para um ambiente online mais inclusivo, democrático e seguro, especialmente para os grupos mais vulneráveis aos efeitos das crises climática e ambiental

Justiça climática começa com informação confiável

O enfrentamento à desinformação é parte essencial da agenda de justiça climática. Garantir o acesso a informações baseadas em evidências científicas, contextualizadas com as realidades locais, é condição para proteger direitos humanos e construir um futuro mais justo, seguro e sustentável.

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