A circulação de desinformação sobre mudanças climáticas tem crescido em diferentes países, inclusive no Brasil, dificultando o avanço de políticas públicas e comprometendo respostas à emergência ambiental. Longe de ser apenas uma disputa de opiniões, o fenômeno ameaça direitos fundamentais como saúde, moradia e alimentação — sobretudo entre populações já vulnerabilizadas pelos efeitos das mudanças no clima. Na Semana do Meio Ambiente, Conectas reflete sobre o tema.
Considerada um dos maiores desafios do século XXI, a crise climática impacta diretamente o direito à vida, à segurança alimentar e à habitação digna. Em meio a esse cenário, a desinformação se consolida como mais um obstáculo grave à formulação de políticas públicas eficazes e ao engajamento social necessário para uma transição ecológica justa.
A circulação de conteúdos manipulados e negacionistas da crise climática confunde a opinião pública e favorece interesses econômicos contrários à regulação ambiental. O resultado é o enfraquecimento de estratégias de mitigação e adaptação — e o agravamento da situação de povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, periféricas e moradores de regiões de risco.
De acordo com pesquisas do NetLab/UFRJ, a desinformação climática no Brasil opera em um ecossistema digital bem articulado, que inclui pessoas influenciadoras, plataformas como o YouTube e redes sociais. Essas estruturas digitais monetizam a desinformação, financiando e lucrando, direta e indiretamente, com vídeos negacionistas por meio de anúncios.
A articulação multiplataforma reforça o chamado efeito de câmara de eco, no qual as pessoas usuárias são expostas continuamente, nas diferentes plataformas, a conteúdos negacionistas , isolando-as de visões críticas ou científicas. Essa dinâmica amplia a polarização e dificulta a construção de consensos sociais fundamentais para a resposta coletiva à crise climática .
Desastres ambientais também vêm sendo explorados por esse ecossistema. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2023, foram rapidamente apropriadas por narrativas conspiratórias que desviaram o foco das suas causas estruturais, ligadas às mudanças climáticas. Além disso, projetos como o Amazonas: mentira tem preço mostram como a cobertura sobre o clima na região amazônica continua escassa e desconectada das realidades locais, abrindo espaço para a proliferação de conteúdos falsos ou distorcidos.
A desinformação também leva ao aprofundamento do descrédito das instituições e dificulta a tomada de ações urgentes por parte do poder público. A falta de uma base comum de dados confiáveis, acompanhada da circulação de conteúdos que propagam inverdades sobre a ação de governos, como foi no Rio Grande do Sul, reduz a capacidade de reação governamental e contamina o debate público . Comunidades já vulnerabilizadas têm seus direitos fundamentais ameaçados pela demora em políticas de adaptação e mitigação, ao mesmo tempo em que a circulação de desinformação afeta significativamente os esforços de ajuda humanitária ao criar obstáculos adicionais em situações já críticas.
Para enfrentar a desinformação climática, especialistas defendem uma série de medidas urgentes que envolvem tanto o setor público quanto as empresas de plataformas digitais. Entre as principais recomendações estão a responsabilização das plataformas pelo conteúdo que hospedam e monetizam, a revisão de algoritmos que priorizam conteúdos sensacionalistas e falsos e a desmonetização de canais que propagam desinformação. Também é fundamental fortalecer a comunicação científica, investindo em linguagem acessível e em mídias populares, além de ampliar a educação climática e a alfabetização midiática desde os currículos escolares até a formação continuada de educadores.
A Sala de Articulação contra a Desinformação, coalização de organizações da sociedade civil da qual Conectas faz parte, publicou um documento com propostas para a regulação das plataformas digitais no Brasil, com especial atenção à crise climática e à proteção ambiental. O grupo defende medidas específicas para combater a desinformação socioambiental, como o negacionismo climático e ataques virtuais a defensores ambientais, além de exigir mais transparência e responsabilidade das plataformas sobre conteúdos impulsionados.
Entre os consensos, destaca-se a necessidade de que os termos de uso das plataformas incluam regras claras contra conteúdos que neguem evidências científicas sobre mudanças climáticas e desmatamento. Também é proposto que perfis de ambientalistas, indígenas e quilombolas recebam proteção especial contra ataques coordenados. O documento sugere ainda a criação de relatórios específicos sobre ações de moderação e impacto de algoritmos, bem como a constituição de um órgão regulador independente com abordagem multissetorial e participação social efetiva.
A iniciativa aponta a urgência de enfrentar a desinformação como uma questão de direitos humanos e justiça socioambiental, ressaltando que a regulação digital deve contribuir para um ambiente online mais inclusivo, democrático e seguro, especialmente para os grupos mais vulneráveis aos efeitos das crises climática e ambiental
O enfrentamento à desinformação é parte essencial da agenda de justiça climática. Garantir o acesso a informações baseadas em evidências científicas, contextualizadas com as realidades locais, é condição para proteger direitos humanos e construir um futuro mais justo, seguro e sustentável.