Voltar
Notícia
-
21/05/2025

Chacina dos Crimes de Maio chega à Corte Interamericana de Direitos Humanos

Caso Parque Bristol, de 2006, é levado à Corte após descumprimento de recomendações da Comissão Interamericana; julgamento pode definir responsabilidades do Estado brasileiro por execuções e omissões

Mais de 500 civis morreram durante os Crimes de Maio de 2006 em São Paulo (Foto: André Porto) Mais de 500 civis morreram durante os Crimes de Maio de 2006 em São Paulo (Foto: André Porto)


A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) vai julgar o Brasil por execuções extrajudiciais cometidas durante os Crimes de Maio de 2006, em São Paulo. O caso foi encaminhado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no último dia 10, após o órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA) considerar que o Estado brasileiro descumpriu as recomendações feitas no Relatório de Mérito nº 101/23. 

O episódio analisado envolve a chacina ocorrida no bairro Parque Bristol, na zona sul da capital paulista, quando três jovens foram mortos e outros dois ficaram gravemente feridos em uma ação atribuída a agentes estatais. Até hoje, nenhum responsável foi identificado e responsabilizado. As famílias das vítimas e a Conectas apresentaram este caso ao sistema interamericano em 2009.

Para a CIDH, o Brasil violou os direitos à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial das vítimas e de seus familiares, conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão recomendou que a Corte determine a reparação integral dos danos, o oferecimento de atendimento em saúde física e mental aos parentes, a reabertura das investigações criminais e a adoção de medidas de não repetição — como a reforma de protocolos policiais, mecanismos eficazes de responsabilização por violência estatal e o fortalecimento das estruturas investigativas.

Relembre o caso

A chacina aconteceu em 14 de maio de 2006, quando cinco amigos conversavam na calçada e foram alvejados por ocupantes de um carro não identificado. Três morreram no local e dois ficaram feridos. Pouco depois, viaturas da Polícia Militar chegaram à cena, recolheram os cartuchos das armas e deixaram o local sem prestar socorro. A investigação conduzida pela Polícia Civil foi arquivada em 2008 sem a identificação dos autores. Meses depois, uma das vítimas sobreviventes foi morta em circunstâncias semelhantes, mas esse segundo crime também não foi esclarecido.

Para a Comissão, há fortes indícios da participação de agentes estatais, com base em testemunhos e na semelhança entre os veículos usados na chacina e viaturas da Polícia Militar. A CIDH também criticou a ausência de diligências mínimas, como a análise balística dos projéteis recolhidos ou a oitiva de policiais que estavam próximos ao local do crime.

Próximos passos

Na Corte Interamericana, o caso será processado automaticamente. Dessa forma, não é necessário novo julgamento de admissibilidade. Não há prazo fixo para o desfecho. O andamento depende da complexidade da causa, da colaboração das partes e da carga de trabalho do tribunal. Após a submissão, o Estado e os representantes das vítimas são notificados para apresentar provas e argumentos por escrito. Em seguida, ocorre pelo menos uma audiência pública e, ao final, a publicação da sentença, que é vinculante. A decisão pode reconhecer a responsabilidade do Estado, ordenar reparações e impor medidas para evitar novas violações.

A CIDH já recebeu três casos sobre o massacre de 2006, quando mais de 500 pessoas, em sua maioria jovens negros, foram executadas por grupos de extermínio em diferentes cidades de São Paulo. Em todos os casos, a CIDH considera que, mesmo passados 19 anos, os crimes permanecem sem esclarecimento e sem responsabilizações, configurando possíveis violações à Convenção Americana de Direitos Humanos.

Enquanto isso, no âmbito nacional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisa se os pedidos de indenização por danos morais e materiais relacionados aos Crimes de Maio prescrevem. A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público de São Paulo em 2018, mas foi considerada prescrita pela Justiça estadual, com base no prazo de cinco anos previsto no Decreto 20.910/1932. A Defensoria Pública e a Conectas recorreram, defendendo que, por se tratarem de graves violações de direitos humanos, as ações são imprescritíveis. O recurso está sob relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, que já se manifestou favoravelmente à tese. O julgamento será feito pela Primeira Seção do STJ, ainda sem data definida.


O que a CIDH solicita à Corte IDH?

  • Reparar integralmente, de forma material e imaterial, as violações, incluindo compensação econômica e medidas de satisfação.
  • Oferecer atenção em saúde física e mental aos familiares, se assim desejarem.
  • Investigar de forma diligente os fatos ocorridos em maio e dezembro de 2006 e garantir justiça conforme os padrões interamericanos.
  • Adotar garantias de não repetição em São Paulo, como reformar protocolos policiais, estabelecer mecanismos de responsabilização e fortalecer a capacidade investigativa sobre o uso letal da força.

Quer acompanhar notícias sobre direitos humanos no Brasil e no mundo?

Assine nossa newsletter e receba atualizações sobre o trabalho da Conectas.