Em janeiro de 2019, um dos primeiros atos do então recém-eleito presidente Jair Bolsonaro foi editar uma Medida Provisória (a de número 870) atribuindo à Secretaria de Governo a tarefa de monitorar a atividade de entidades da sociedade civil. A MP foi duramente criticada por seu caráter autoritário e repressivo, e o dispositivo acabou derrubado pelo Congresso.
O governo não se deu por vencido e, na sequência, nomeou um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), cuja identidade é sigilosa, para ocupar cargos no Departamento de Relações com Organizações Internacionais e Organizações da Sociedade Civil na Secretaria Especial de Articulação Social, em clara tentativa de subverter a decisão do Legislativo.
Para a Conectas, o caso é exemplar de um governo que entende a sociedade civil como inimiga a ser vigiada e combatida. A organização ingressou com uma Ação Civil Pública demandando a revogação das portarias de nomeação, a exoneração do servidor e a proibição de nomeações de agentes de inteligência para cargos similares.
Na ação, a entidade sustentou que o sigilo de identidade é incompatível com cargos que pressupõem relacionamento e interlocução permanente com a sociedade. Afirmou também que, com a manutenção do servidor, a Secretaria ficaria impossibilitada de realizar a sua competência, o que é ilegal do ponto de vista dos princípios da administração pública.
A Conectas sustentou, ainda, que o caso demonstra uma tentativa do governo de burlar a decisão do Legislativo de vedar o monitoramento das ONGs pela Secretaria de Governo – o que constituiria desvio de finalidade. Por fim, a organização afirmou que a nomeação também tem vícios de forma, já que o servidor foi cedido pela Abin para ocupar um cargo em outro departamento, e viola o princípio da eficiência na alocação de recursos, posto que a carreira no serviço de inteligência é altamente especializada.
Ficha técnica
- Ação: ACP 5004853-77.2020.4.03.6100
- Instância: 10ª Vara Cível Federal de São Paulo
- Status: O pedido liminar foi aceito na primeira instância, mas a União recorreu e conseguiu a suspensão da ação na segunda instância.
- Tramitação:
- 9/6/20: juiz de primeiro grau concede liminar e suspende a nomeação
- 16/7/20: juiz de segundo grau acolhe recurso apresentado pela União e suspende a liminar e a ação
- 24/10/20: turma julga favoravelmente ao pedido da União e o processo é suspenso