A debatida existência de uma nova ordem global, assim como a emergência de novos atores políticos e econômicos que ultrapassam as fronteiras da Europa e dos EUA, têm levantado questões importantes sobre o financiamento das ONGs no mundo. No último dia do XIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos – promovido pela Conectas em São Paulo, de 12 a 19 de outubro, com a participação de mais de 100 ativistas de 40 países – a questão do impacto da nova ordem global sobre os modelos e as fontes de financiamento para a sociedade civil, foram tema de debate.
As novas estratégias das fundações internacionais e dos fundos de direitos humanos, assim como das fundações empresariais, ocuparam parte importante da mesa. Além disso, a maior necessidade das organizações de direitos humanos de enraizar-se no contexto territorial em que operam surgiu como estratégia adicional para a captação de financiamento local.
Umas das constatações foi a de que, antes, ONGs do Sul Global dependiam fortemente da captação de recursos aportados por fundações ou fundos multilaterais, mas agora vê-se uma distribuição menos unidirecional e mais global destes financiamentos. O eixo Norte-Sul tem sido desafiado por um modelo de financiamento muito mais multidirecional.
Participaram da mesa Mona Chun (International Human Rights Founders Group), André Degenszajn (GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), Louis Bickford (Ford Foundation), Ana Valéria Araújo (Fundo Brasil de Direitos Humanos), e Chris Stone (Open Society Foundations em vídeo), além da moderadora, Muriel Asseraf (Conectas).
Uma ferramenta de participação interativa, no qual participantes e palestrantes votaram em respostas a perguntas propostas, foi implementada pela organização do colóquio deste ano. A primeira pergunta foi em relação ao financiamento.
Recebe financiamento de fundações internacionais?
76% disseram sim
Recebe dinheiro do governo ou de empresas?
81,6% disseram não
Há contribuições de indivíduos?
53,7% disseram não
A natureza do financiamento (diversificação, montante) mudou nos últimos 5 anos
73,1% disseram sim
Fontes de financiamento
Historicamente, nos países do Sul, as organizações de direitos humanos foram financiadas por fundações e fundos multilaterais. Hoje, a Ford Foundations é a fundação que mais investe em direitos humanos(US$ 159,5milhões), seguida da Open Society Foundation (US$ 140 milhões), num universo total composto por US$ 1,2 bilhão em doações – de acordo com pesquisa citada na apresentação de Mona Chun, do International Human Rights Founders Group.
Essa tendência, no entanto, começou a mudar. Hoje, há um movimento de se tentar diversificar a fonte do financiamento – de preferência para fontes domésticas, seja por contribuições de indivíduos, ou de fundações empresariais locais. “Algumas organizações veem isso como importante para atuar no seu próprio território” diz Louis Bickford, da Ford Foundation. “Isso lhes confere muitas vezes uma imagem de credibilidade e legitimidade para lidar e atuar com questões internas”, analisa.
Bickford também explicou que a Ford está diversificando e ampliando os financiamentos dirigidos a organizações de países em desenvolvimento com o intuito de reforçar a multipolaridade e aumentar o protagonismo de atores do Sul que sejam capazes de agir não somente com temas internos, mas também fora de suas fronteiras.
Porém, a cultura de investimento em organização de direitos humanos pela sociedade civil nos países do Sul é um ponto a ser trabalhado. O modelo do Fundo Brasil, apresentado por Ana Valéria Araújo, mostra como é possível desenvolver filantropia local num País com o Brasil – país que passou de ser apenas receptor de ajuda externa para converter-se em potencial financiador de ações. Ela explicou que o Fundo Brasil apoia especialmente organizações pequenas, com pequenos aportes financeiros, ao mesmo tempo que ajuda a fortalecer institucionalmente estas organizações que trabalham na ponta, para que elas possam também buscar financiamentos adicionais em outras fontes.
A conversa com fundações
Os palestrantes insistiram também na necessidade de estabelecer uma parceria com o doador. As organizações tem de entender as estratégias das fundações, e ver a onde pode se colocar o valor agregado. “É preciso uma conversa, um diálogo, um envolvimento estratégico a longo prazo”, disse Louis Bickford, da Ford.
Segundo Degenszajn, do Gife, no caso de fundações empresarias, essa necessidade ainda é mais premente considerando que elas devem uma resposta a empresas mantenedoras. “A fundação não deve necessariamente ajudar a vender o produto” diz. “Mas ela deve responder pelo valor que agrega”, continua. “Com isso, o diálogo deve incluir uma conversa e um conhecimento da estratégia da empresa.”
“Cada doador vê um valor diferente naquilo que faz”, diz Degenszajn. “O projeto tem que dialogar com a estratégia da fundação”.
A mesma ideia foi defendida por Chris Stone, do Open Society Foundations: “O investidor também tem uma causa, e ela dialoga com sua paixão e com sua vida”, disse Stone, em vídeo gravado.
Os debatedores insistiram na necessidade de que as prioridades das organizações e dos financiadores estejam relacionadas. Alguns participantes disseram, em suas intervenções, que isso representa um desafio adicional para organizações cujo trabalho não necessariamente se encaixa nas prioridades das fundações.
Veja as apresentações utilizadas por Louis Bickford e Mona Chun.