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10/07/2017

Vitória da razão

Apesar da resistência de grandes potências, ONU aprova tratado para abolir armas nucleares



Depois de meses de negociação, e apesar do boicote de grandes potências mundiais, a ONU aprovou na última sexta-feira (7) um novo tratado para abolir as armas nucleares.

No total, 122 países endossaram o acordo, que agora precisa ser ratificado por pelo menos 50 para entrar efetivamente em vigor.

Entre outras coisas, o texto proíbe os Estados partes de desenvolver, testar, produzir, fabricar, adquirir ou estocar armas nucleares e prevê mecanismos para a incorporação de nações dispostas a destruir seus arsenais. Os tratados internacionais são juridicamente vinculantes, o que significa que seu cumprimento é obrigatório aos Estados partes.

A decisão foi internacionalmente celebrada em um momento em que o planeta parece estar perigosamente próximo a um conflito nuclear, com países como a Coréia do Norte investindo pesadamente na fabricação de novas armas. Hoje, de acordo com os dados mais atualizados da Federação de Cientistas Americanos, nove países possuem juntos 14,9 mil ogivas.

Outra indicador alarmante foi a revisão, em janeiro de 2017, do “Relógio do Apocalipse”, criado pelo Boletim de Cientistas Atômicos em 1947 para expor a iminência de uma explosão. Nesse relógio, cujos ponteiros se movem de acordo com os riscos de uma detonação, aproximando-se da meia-noite, faltam apenas 2,5 minutos para uma catástrofe. Desde 1953, nunca estivemos tão perto dessa marca.

O Brasil esteve entre os líderes da resolução que levou a ONU ao acordo e, através do Ministério das Relações Exteriores, celebrou a decisão. Em nota à imprensa divulgada na própria sexta, o Itamaraty afirmou que o “engajamento do Brasil em negociações que buscam livrar o mundo de armas nucleares traduz, no plano internacional, o compromisso constitucional do país com o uso pacífico da atividade nuclear” e conclamou as demais nações a se juntarem ao acordo.

Após a assinatura pelo Brasil, o novo tratado passará por um processo interno de ratificação, que envolve a análise do texto pelo Executivo e pelo Legislativo. Apesar da aparente disposição do governo federal em garantir uma rápida confirmação do instrumento, exemplos anteriores mostram que o trâmite pode frustrar o entusiasmo do MRE, como é o caso do TCA (Tratado sobre o Comércio de Armas), que percorre despachos há mais de três anos.

O texto está parado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara desde dezembro de 2015. O relator Lincoln Portela (PRB-MG) foi designado em maio de 2016, mas ainda não apresentou seu parecer.

Para Jefferson Nascimento, assessor do programa de Política Externa da Conectas, a liderança do Brasil no debate sobre desarmamento nuclear merece ser reconhecida, “mas o país precisa mostrar que seu compromisso com a paz e a segurança internacionais é coerente e verdadeiro”.

“Acompanhamos disposição semelhante do Brasil nas negociações sobre o TCA, mas esse engajamento não encontrou paralelo no processo de ratificação, que continua travado no Legislativo. Esperamos que essa nova investida positiva da diplomacia brasileira faça com que os dois acordos caminhem rapidamente rumo à ratificação”, completa.

Resistências

As discussões sobre o acordo tiveram de superar o boicote das nove potências nucleares mundiais – Rússia, Estados Unidos, França, China, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coréia do Norte, ordenados pelo tamanho do arsenal – e outros países que abrigam ogivas em seus territórios, como é o caso da Turquia, da Alemanha e da Holanda.

Esses países, em geral, sustentam sua oposição com a defesa do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), em vigor desde 1970. Para eles, os estoques precisam ser diminuídos gradativamente, mas não abolidos, sob o risco de países não comprometidos com o acordo, como é o caso da Coréia do Norte, ameaçarem a segurança e a estabilidade mundiais.

A posição das potências nucleares contrasta com a visão dos países abolicionistas, para os quais a segurança plena da humanidade depende da extinção de qualquer tipo de arma de destruição em massa – assim como aconteceu com as armas químicas e biológicas, banidas também por meio de convenções em 1993 e 1975, respectivamente. As armas nucleares constituíam, até agora, a última categoria de armas de destruição em massa permitida pela comunidade internacional.

Para Cristian Wittmann, membro da Ican (International Campaign to Abolish Nuclear Weapons) e professor adjunto da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), a importância da nova norma, apesar do boicote dos Estados nuclearmente armados, está no “estigma que se cria em torno dessas armas, reanimando o debate acerca da necessidade de eliminá-las”.

Segundo Wittmann, o final da guerra fria passou a imagem de que era normal que alguns países ameaçassem o restante da humanidade, escondendo o grande risco de uma detonação voluntária ou involuntária. Em entrevista à Conectas, ele sustentou que, com o tratado, aumenta-se o estigma ao redor das armas nucleares e, em consequência, a pressão para que os Estados nuclearmente armados mudem suas doutrinas e eliminem seus arsenais.

O especialista afirmou, ainda, que ao contrário do que dizem os países que se opuseram à iniciativa, o novo tratado serve de complemento ao TNP ao suprir a lacuna jurídica de um de seus artigos que prevê a obrigação dos Estados partes de negociarem o banimento desses equipamentos. Para ele, cabe ao Brasil ratificar rapidamente o tratado e auxiliar nos esforços de universalização “para que, um dia, possamos ter as armas nucleares eliminadas”.

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