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13/05/2015

Violação continuada

Omissão, falta de reparação às vítimas e aumento da violência policial marcam aniversário dos crimes de maio

For Débora Silva, of the Mothers of May Movement, impunity helps perpetuate police violence For Débora Silva, of the Mothers of May Movement, impunity helps perpetuate police violence

Maio de 2006. A noite terminava no bairro Parque Bristol, na zona Sul de São Paulo, quando os irmãos Edivaldo e Eduardo puxaram conversa com os amigos Fábio, Fernando e Israel em frente de casa. A capital e outras cidades do estado viviam uma escalada veloz de violência, motivada por uma série de ataques da organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) a prédios públicos e forças de segurança, seguida pela represália por parte da polícia e de grupos de extermínio.

Os cinco jovens do Parque Bristol foram repentinamente jogados para dentro dessa guerra. Tinham entre 21 e 25 anos de idade. De um carro em movimento, mascarados dispararam contra o grupo de amigos matando três, Edivaldo, Eduardo e Israel. Seu nomes entraram para a longa lista de civis, a maioria homens (96%) até 35 anos (80%) sem antecedentes criminais, mortos entre os dias 12 e 21 de maio daquele ano no estado de São Paulo.

Segundo levantamento feito pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro a pedido da Conectas , ao todo foram pelo menos 505 assassinatos de civis durante esses 10 dias. Entre os agentes públicos, contaram-se 59. Os laudos necroscópicos mostram que 60% sofreram pelo menos um disparo na cabeça – um indício importante de execução.

Nove anos depois dos chamados crimes de maio, as famílias ainda esperam Justiça. Como tantos outros processos abertos à época, o de Edivaldo, Eduardo e Israel foi rapidamente arquivado sem que os responsáveis fossem identificados. Num sinal de cumplicidade com a falta de ímpeto da autoridade policial para chegar aos assassinos, a Promotoria de Justiça do 1o Tribunal da Capital pediu o arquivamento do inquérito em novembro de 2008.

Diante da inação da Justiça estadual, o caso foi remetido à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA), onde aguarda apreciação desde 2009. As vítimas também esperam uma resposta da Procuradoria Geral da República sobre o pedido de federalização da investigação, feito pela Conectas no mesmo ano.

Responsabilidade compartilhada

“A chacina do Parque Bristol reúne elementos bastante simbólicos do que foram os crimes de maio de 2006: frente aos ataques de uma organização criminosa, o Estado foge da legalidade e promove um verdadeiro massacre da população mais vulnerável das periferias”, afirma Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas.

Segundo relatório da Comissão Especial ‘Crimes de Maio’, criada pelo extinto Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, “a quase totalidade dos inquéritos policiais envolvendo a morte de civis foi arquivada pelo Poder Judiciário a pedido do Ministério Público”. Para os conselheiros, “existiu uma investigação seletiva, na qual os familiares das vítimas civis não tiveram o direito de saber as reais circunstâncias, executores e motivações das mortes de seus entes queridos”. A Defensoria Pública de São Paulo chegou à mesma conclusão: em documento remetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o órgão afirma que todos os inquéritos policiais relacionados aos crimes de maio foram arquivadas até 2008 sem a identificação dos culpados. Ainda segundo a Defensoria, foram abertas oito ações na esfera cível por danos morais e materiais contra o estado. Nenhuma teve julgamento definitivo.

“Os órgãos do sistema de Justiça – especialmente o Ministério Público paulista – falharam em exercer o monitoramento da ação Estatal e essa omissão contribuiu com a perpetuação das violações. Nove anos depois dos fatos, a violência policial persiste em São Paulo como substrato inequívoco desse grande erro”, completa Fuchs.

Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo comprovam essa afirmação. No primeiro trimestre de 2015, a Polícia Militar foi responsável pela morte de 185 pessoas em supostas situações de confronto – uma média de 2,05 vítimas por dia. É o maior índice de letalidade policial desde 2003.

“A violência dos dias de hoje é uma herança de maio de 2006. O modus operandi é o mesmo: há uma polícia que mata, que não investiga e um Judiciário que legitima a impunidade”, afirma Débora Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio. “Os crimes de maio, nesse sentido, deram certo. Por isso a polícia ainda tem carta-branca para matar. Essa herança tem que ser banida.”

Semana de mobilizações

A persistente violência contra a população jovem e negra das periferias e a falta de Justiça aos familiares das vítimas dos crimes de maio serão alvo de ato na sexta-feira (15/5), na Praça da Sé. O protesto é organizado pelo Movimento Mães de Maio, fundado por mães de jovens assassinados pela polícia em 2006.

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“No dia 15 de maio de 2006 foi decretado o toque de recolher pelo governo estadual, para que ninguém fosse testemunha ocular do que estava ocorrendo nas periferias”, explica Débora Silva. “Hoje, nove anos depois, queremos conscientizar a população de que a impunidade impera até os dias de hoje e mostrar que o Estado abandonou as mães das vítimas. Exigimos que esse erro seja reconhecido. Por isso, vamos reunir organizações e pessoas comprometidas com o direito mais fundamental, que é o direito à vida.”

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