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21/02/2018

Entrevista: Para especialista, é necessário integrar migrantes venezuelanos

Para João Carlos Jarochinski, professor da UFRR, Brasil é pouco preparado para receber grandes fluxos migratórios, mas deveria enxergar o fenômeno como oportunidade.

Venezuelanos fazem fila diante da Polícia Federal de Boa Vista (RR) para regularização Venezuelanos fazem fila diante da Polícia Federal de Boa Vista (RR) para regularização

A crise econômica e humanitária que atinge a Venezuela está gerando em um êxodo sem precedentes de pessoas. Parte desse contingente migrou para o Brasil atravessando a fronteira pelo Estado de Roraima. Até final de 2017, havia cerca de 30 mil pedidos de regularização migratória de venezuelanos no país.

Em entrevista para a Conectas, João Carlos Jarochinski, professor e coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal de Roraima e vice-coordenador do programa de mestrado Sociedade e Fronteiras, da mesma universidade, falou sobre esse novo o fluxo migratório e como o governo brasileiro tem lidado com a situação.

Conectas: Como o senhor avalia o atual fluxo migratório venezuelano para o Brasil?

João Carlos Jarochinski é professor e coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal de Roraima.

Jarochinski: É um fluxo sem precedentes históricos, motivado principalmente por uma migração forçada. A gente não tem paralelo na trajetória histórica porque tradicionalmente eram os brasileiros que se moviam para a Venezuela. Aqui havia uma presença muito pequena de venezuelanos, apesar da proximidade. Esse fluxo também não é parecido com os últimos movimentos de fronteira que tivemos no Brasil, notadamente no contexto amazônico, que foram os haitianos que entraram pelo Acre e por Tabatinga. A diferença dos haitianos e de outros grupos [com o atual fluxo de venezuelanos] é que os primeiros entraram e já se interiorizaram pelo Brasil, buscaram outras localidades. Então essa fixação  [de venezuelanos] na fronteira é um fator novo, que tem gerado uma série de demandas a serem respondidas pela sociedade brasileira.

C: Como lidar com a xenofobia gerada pela chegada dos venezuelanos?

J: Há uma boa parcela da população que se mostra receptiva, é importante destacar. Tem uma série de trabalhos sociais sendo desenvolvidos, pessoas tentando dar um mínimo de acolhimento. Mas quando o fluxo aumentou, esse tipo de trabalho se mostrou insuficiente. É um quadro que infelizmente tem gerado xenofobia porque é mais fácil se apropriar do discurso sob um viés negativo, ver a migração no aspecto de custo. Um pouco desse estranhamento com o outro é favorecido quando você tem, do ponto de vista eleitoral, a apropriação desse discurso de exclusão. Percebemos atos de xenofobia, exclusão de alguns espaços sociais e até, em alguns casos, a violência física efetivamente. As mulheres são as mais vulneráveis a isso e no quadro escolar também ouvimos falar muito de bullying em relação a crianças venezuelanas, que agora estão começando a fazer parte do sistema escolar de Roraima.

C: O que o governo federal pode fazer para acolher esse contingente de pessoas respeitando os direitos humanos?

J: A regularização da situação migratória é o primeiro passo para que as pessoas possam exercer os seus direitos. Isso é bastante significativo. Como o Brasil é muito burocrático,  a opção do refúgio acabou sendo a mais fácil, porque rapidamente você consegue se regularizar e obter documentos, como a carteira de trabalho. Acho que esse é o primeiro ponto: facilitar os mecanismos de regularização, e ver a migração como uma oportunidade. Em relação à diplomacia, a crise econômica da Venezuela é reconhecida pelo governo brasileiro. Obviamente que reconhecer a situação de refúgio implicaria demandas diplomáticas, mas acho que isso não significaria um aumento de tom. O Brasil não tem tentado se aproximar da Venezuela em termos diplomáticos ou de ser o facilitador nas negociações. Muito pelo contrário. Muitas vezes o Brasil tem sido um dos países a condenar de forma mais veemente a Venezuela. Não acho que reconhecer o refúgio de pessoas venezuelanas gere um problema diplomático maior do que aquele que já temos, que é uma dificuldade de interlocução com esse parceiro. O Brasil tem tido um discurso muito forte contra a Venezuela, mas na perspectiva de oferecer ações ainda tem sido bastante fraco. O processo de interiorização, que tanto se fala, tem sido bastante lento e até agora não resultou em nada. Isso tem gerado um acúmulo dessas pessoas aqui em Roraima. As pessoas com melhor condição financeira já têm feito esse processo de interiorização, mas uma parcela da população com dificuldade econômica, e que não tem conseguido emprego, têm permanecido aqui na região, no máximo ido até Manaus, que é a opção mais barata de chegada. Isso tem gerado consequências, como a xenofobia, além de demandas ao poder público. Tradicionalmente as regiões de fronteira no Brasil têm deficiência na oferta de serviços públicos. Com a chegada de pessoas com necessidade, essa ineficiência do Estado se radicalizou.

C: Por que o governo brasileiro não tem decidido sobre os pedidos de refúgio?

J: Existe uma demora no processo de análise [do pedido de refúgio] e uma discussão no Conare em relação a isso. Mas nos primeiros números, o percentual de reconhecimento do status de refugiado foi bastante alto para venezuelanos. A questão é que o procedimento tem sido bastante lento. Hoje espera-se em média dois anos para o julgamento desse processo. O Brasil sempre teve uma política muito avançada de refúgio, mas sempre pensando em um número pequeno de refugiados. A partir do momento em que o Brasil se depara com uma situação um pouco maior – e a gente não pode falar em invasão, muito pelo contrário, o número de refugiados é muito pequeno – o Brasil já mostra sua debilidade. Em 20 anos, não se pensou uma política pública para o reconhecimento de pedidos diante do aumento da demanda e, principalmente, para a integração dessas pessoas na sociedade brasileira.

C: O Decreto Presidencial publicado no ano passado que regulamenta a Nova Lei de Migração deixou de lado a autorização de residência por razões humanitárias. Na sua opinião, esse visto seria uma oportunidade para resolver a situação dessas pessoas?

J: Em termos de regularidade migratória. sim. Se você olhar a situação na Venezuela é óbvio que há uma crise humanitária: as pessoas não têm alimentos, há um aumento exponencial da violência. Se isso não é violação de direitos humanos, o que é uma violação de direitos humanos? Então, nesse aspecto, seria uma oportunidade. Mas, repito: o Brasil ainda é muito fechado na perspectiva de acolhimento e permanência no território nacional. Em termos de integração mais efetiva a gente ainda é muito incipiente. Do ponto de vista até econômico, de seguridade social, seria fundamental a gente pensar a integração desses migrantes, porque talvez seja oportunidade para desempenhar um dinamismo econômico e principalmente garantir a seguridade social. O discurso corriqueiro em termos políticos é que “o migrante é custo”. Isso está errado.

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