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03/08/2016

Veja como foi a 32a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Reunião foi marcada por denúncia de violações por empresas, retrocessos derivados das Olimpíadas e crise política no Brasil



Entre os dias 13/6 e 1/7, aconteceu em Genebra, na Suíça, a 32a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A reunião era a primeira, para o Brasil, depois do afastamento da presidente Dilma Rouseff e foi marcada por denúncias de violações no Brasil cometidas por empresas, pelo agravamento do cenário nacional de direitos humanos em função da crise política e pelos abusos cometidos na preparação do país para os Jogos Olímpicos.

Estiveram em discussão, ainda, o relatório dos especialistas independentes da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre o desaparecimento de 43 estudantes de Ayotzinapa, no México, e resoluções sobre a redução do espaço de atuação das ONGs, o acesso a medicamentos e a criação do cargo de especialista independente em orientação sexual e identidade de gênero no Conselho.

Desmonte da Constituição

No dia 26/6, Conectas e ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) denunciaram ao Conselho as ameaças de retrocessos no Brasil, agravadas pela crise política.

Em pronunciamento oral, as entidades afirmaram que iniciativas do Legislativo e do Executivo interino, como as tentativas de reduzir a maioridade penal e aumentar o tempo de internação ou de criminalizar mulheres e profissionais da saúde que pratiquem aborto depois de estupro (um procedimento permitido por lei), podem desmontar garantias previstas na Constituição Federal e levar o país a descumprir tratados internacionais.

  • Clique aqui para fazer download do pronunciamento.

Para as entidades, atos do Executivo como a redução do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos a secretarias subordinadas ao Ministério da Justiça e Cidadania denotam falta de priorização da agenda.

Representante do governo brasileiro presente na sessão pediu direito de resposta após o pronunciamento e afirmou que o país “está totalmente comprometido com a proteção dos direitos humanos e com a defesa do Estado de Direito”. “O governo do Brasil respeita integralmente o direito das organizações da sociedade civil de expressarem suas visões e perspectivas no Conselho de Direitos Humanos, mesmo quando discordamos frontalmente”, sustentou.

Assista o pronunciamento das entidades (1h23) e a resposta do governo (1h43):

Jogos da exclusão

O Brasil também foi confrontado no Conselho por conta das arbitrariedades e violações cometidas durante os preparativos das Olimpíadas. Conectas, Justiça Global, Artigo 19 e ISHR (International Service for Human Rights) afirmaram na plenária do Conselho que o sonho olímpico se tornou pesadelo para as comunidades mais vulneráveis do Rio de Janeiro e para os defensores e ativistas que tentam denunciar essa violência.

De acordo com as entidades, desde 2009, ano em que o país foi escolhido como sede dos Jogos, mais de 77 mil pessoas foram removidas à força de áreas consideradas de alto valor imobiliário. Durante o evento, seis favelas serão ocupadas pelo exército e pessoas que eventualmente sejam detidas pelas Forças Armadas poderão responder na Justiça Militar.

  • Clique aqui para ler a íntegra do pronunciamento.

“Infelizmente, o prometido legado dos Jogos Olímpicos se tornou um fardo pesado. Teremos novos estádios, mas ao custo da falência das contas públicas e de violações sistemáticas de direitos básico, como moradia, saúde e educação. Infelizmente, os Jogos Olímpicos se tornaram os Jogos da Exclusão”, destacaram as entidades no pronunciamento.

Assista (2h04):

Empresas na Berlinda

Durante a sessão do Conselho, o Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU apresentou um relatório sobre a visita que fez ao Brasil, em dezembro de 2015, em que condena violações relacionadas ao setor energético, à indústria extrativa, ao agrobusiness e à construção civil. No total, 28 recomendações foram feitas pelos especialistas ao governo brasileiro e às empresas públicas e privadas que atuam no país.

Clique aqui para ler a íntegra do relatório.

Os casos da barragem de Mariana, em Minas Gerais, e da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, receberam especial atenção do grupo, que também criticou propostas em tramitação no Congresso que afrouxam as exigências e simplificam o processo de aprovação de grandes projetos de infraestrutura – como é o caso da PEC 65/12, que na prática acaba com o licenciamento ambiental.

A embaixadora brasileira em Genebra, Maria Regina Dunlop, rebateu as críticas da ONU e sustentou que “é incorreto afirmar que falta regulação para projetos com impacto ambiental” e que “os direitos humanos fazem parte das regras e obrigações do licenciamento de grandes obras”.

A Conectas e a organização chilena Corporación Humanas contestaram a fala de Dunlop. Em pronunciamento oral, as entidades instaram o governo a cumprir as recomendações feitas pelo grupo, sobretudo aquelas relacionadas a incorporar as populações afetadas nos processos de decisão.

  • Clique aqui para ler o pronunciamento das entidades.

Assista a apresentação das conclusões do relatório (00h11):

Assista a fala da embaixadora brasileira (00h30):

Assista o pronunciamento das organizações (00h53):

Justiça para Ayotzinapa

A 32a sessão do Conselho também foi utilizada por organizações de direitos humanos e familiares de vítimas para dar visibilidade na ONU ao relatório elaborado por especialistas independentes da OEA (conhecidos pela sigla GIEI) sobre o desaparecimento de 43 estudantes em Ayotzinapa, no México, em 2015. Carlos Beristain e Claudia Paz y Paz, que estiveram diretamente envolvidos na elaboração do informe, reuniram-se com Zeid Ra’ad Al Hussein, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, para apresentar os resultados da investigação.

Conectas, Cels (Centro de Estudios Legales y Sociales, da Argentina) e Comisión Mexicana para la Defensa y Promoción de los Derechos Humanos organizaram, ainda, dois encontros para a apresentação do caso para autoridades e outras entidades internacionais.

O primeiro, uma reunião de articulação da sociedade civil no International Service for Human Rights, reuniu organizações de diversos países para discutir estratégias de atuação a partir da apresentação do informe do grupo de especialistas independentes.

O segundo foi um evento paralelo à sessão do Conselho em que Beristain e Paz y Paz apresentaram detalhes – inclusive fotos e vídeos – que contrariam a versão oficial alardeada pelo governo mexicano sobre o que teria ocorrido com os estudantes. Eles demandaram compromisso das autoridades com a busca por respostas. Entre os presentes na reunião estavam Giovana Bianchi, representante do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, e Jorge Lomónaco, embaixador do México em Genebra.

Ainda no marco da apresentação do informe do GIEI e de denúncia da falta de compromisso do México com o esclarecimento do caso, Conectas, Cels e Comisión Mexicana se reuniram com a Alta Comissária Ajunta da ONU, Kate Gilmore, e fizeram um pronunciamento oral na plenária do Conselho.

Resoluções

Durante a sessão do Conselho foram aprovadas 33 resoluções. Conectas e parceiros se envolveram particularmente no debate de três textos.

Um deles, liderado por Brasil, Egito, Paraguai, Peru, África do Sul e Tailândia,  determinou a realização de um painel sobre boas práticas e desafios no acesso a medicamentos na 34sessão do Conselho, em março de 2017, e prevê a elaboração e apresentação de um relatório pelo Alto Comissário a partir dessa reunião.

O GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), do qual Conectas faz parte, enviou contribuições em resposta à consultas informais feitas para a elaboração da resolução. Para o grupo, o documento apresenta pontos de avanço em relação a iniciativas anteriores – entre eles, o reconhecimento de que a falta de aceso a medicamentos é um desafio global. A resolução reforça, ainda, o uso das flexibilidades do regime de patentes na área de medicamentos e reconhece a importância de iniciativas que desvinculam o preço final do custo de pesquisa e desenvolvimento.

No entanto, segundo Marcela Vieira, coordenadora do GTPI, “a resolução poderia ter avançado mais”. “O documento falha ao não ser tão contundente com a responsabilidade e violações de empresas farmacêuticas no direito à saúde. Além disso, os países deveriam ter sido mais categóricos em condenar os recentes acordos de livre-comércio com medidas, chamadas ‘TRIPS-plus’, que impedem o uso das flexibilidades do TRIPs [tratado internacional que estabelece padrões de propriedade intelectual].”

Outro embate se deu na discussão sobre uma resolução sobre a proteção do espaço de atuação da sociedade civil no mundo. A versão preliminar do documento liderado por Chile, Irlanda, Japão, Serra Leoa e Tunísia era amplamente aprovada por ONGs de todo o mundo, mas recebeu 15 emendas da Rússia que removiam elementos essenciais da primeira versão e justificavam restrições claramente contrárias às projeções estabelecidas pelos tratados e protocolos internacionais.

Em resposta à investida russa, 244 organizações de 90 países, incluindo a Conectas, assinaram uma carta conjunta demandando a rejeição de todas as emendas e a aprovação da proposta original. A pressão surtiu efeito e o Conselho aprovou o texto sem as modificações.

O órgão também aprovou uma resolução que cria o cargo de perito independente sobre a proteção contra a violência baseada na orientação sexual e na identidade de gênero – uma proposta que partiu do Brasil e contou com o apoio da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Uruguai. O especialista terá mandato de três anos.

Apesar de preencherem uma lacuna histórica na lista de relatorias do Conselho, o texto da resolução e a definição do escopo do cargo foram criticados por um grupo de organizações que trabalham com o tema por não abarcarem violações contra direitos sexuais e reprodutivos de forma mais ampla.

Em nota, o Itamaraty afirmou que “a resolução representa passo concreto no reconhecimento pelas Nações Unidas da vulnerabilidade de lésbicas, gays, bissexuais travestis e transexuais à violência e à discriminação, em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero”.

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