Por Marcos Fuchs*
Enquanto a maioria de nós renovávamos as esperanças e compilávamos nossos bons propósitos para 2016, Leonardo de Souza, 23, Francisco Pereira Caetano, 23, Hermes Inácio Moreira, 19, e Adriano Silva Araújo, 28, tiveram suas vidas brutalmente interrompidas na madrugada do dia 2, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Outro homem permanece internado em estado grave.
Essa chacina não é um caso isolado, mas uma lamentável rotina, que segue um roteiro bastante similar a outros casos, como os que ocorreram ano passado em Osasco e Barueri, em que 19 pessoas foram executadas, e a do Rio de Janeiro, onde cinco jovens foram mortos. Em todos esses casos a participação de integrantes de agentes de segurança do Estado é inegável.
Não podemos tolerar a banalização desse círculo de violência e morte classista e racista. A sociedade não pode deixar de se indignar e de reagir. Temos que encarar o fato de que o modelo de segurança pública brasileiro está falido.
A força policial brasileira é a que mais mata no mundo. Só em 2014, mais de 3.000 pessoas morreram pelas mãos de policiais – são mais vidas perdidas do que nos atentados de 11 de setembro.
Temos que exigir o fim desse sistema, que permite o extermínio de parte da nossa população pelas mãos de agentes do Estado. Para tanto, mudanças estruturais são indispensáveis.
Primeiro, é inadiável uma mudança na mentalidade e no treinamento dos membros do sistema de segurança pública. A polícia não pode agir pela ótica de que o cidadão é seu inimigo. Torna-se urgente a desmilitarização da polícia, incluindo alguns pressupostos: 1) ciclo completo de ação, ou seja, que as funções preventivas e repressivas sejam realizadas por um mesmo corpo policial; 2) carreira única, permitindo que o policial possa crescer, de acordo com seus méritos profissionais, até se tornar oficial; e 3) ouvidorias e corregedorias externas.
Segundo, é necessário cobrar do Ministério Público maior empenho na sua atribuição constitucional de controle externo da atividade policial, além de apurar com rigor e precisão todas as circunstâncias das mortes causadas por agentes policiais.
Terceiro, é necessário desvincular os órgãos de perícia, como Instituto de Criminalística e Instituto Médico Legal, da Secretaria de Segurança Pública, que controla as polícias Civil e Militar. A independência desses órgãos é uma maneira de garantir a imparcialidade das investigações e um ambiente livre de pressões para casos que envolvem crimes por agentes públicos.
Por fim, exigir que toda morte com envolvimento policial seja propriamente investigada. Com o fim do o chamado “auto de resistência”, resquício da ditadura militar e que limitava as investigações de mortes com envolvimento policial, temos que assegurar que na prática toda morte seja investigada e os responsáveis sejam responsabilizados.
Não podemos mais admitir que os braços do Estado promovam a ilegalidade e a violência, sobretudo da população marginalizada. É preciso que o poder público assuma sua responsabilidade em cada gatilho disparado e que mude a lógica da segurança pública em prol da proteção de todos os cidadãos. Talvez assim possamos alcançar uma sociedade mais justa.
*Marcos Fuchs é advogado e diretor adjunto da Conectas