Apesar de ser um dos maiores produtores de armas pequenas e ligeiras do mundo de acordo com a Small Arms Survey, o Brasil será coadjuvante nas discussões que definirão os regulamentos e procedimentos operacionais do Tratado de Comércio de Armas (TCA ou ATT, na sigla em inglês), que acontecem durante a Primeira Conferência dos Estados-Parte do TCA em Cancún, México, entre os dias 24 e 27 de agosto.
Por ainda não ter ratificado o texto, o País não terá direito a voto, ao contrário das outras 72 nações que já fazem parte do acordo. O Brasil foi um dos primeiros países a assinar o tratado há mais de um ano e, desde junho de 2013, está em curso o processo de ratificação interna.
O ATT é o primeiro instrumento internacional a regular o mercado global de armas convencionais, categoria que inclui desde tanques e aeronaves de combate até armamentos leves como revólveres, pistolas, fuzis e submetralhadoras.
O acordo proíbe que os Estados transfiram este tipo de armamento para nações que possam usá-los para cometimento de crimes contra humanidade como genocídio ou graves violações do direito humanitário. O acordo prevê, ainda, a necessidade de análise de risco de a transferência de armamentos ocasionar graves violações de direitos humanos, desvio para cometimento de crimes transnacionais ou potencial utilização para cometer grave violência contra mulheres e crianças.
“Atualmente, a política brasileira de exportação de armamentos é regulada por um decreto secreto da época da ditadura militar: o PNEMEM – Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar. A ratificação do Tratado é uma oportunidade única para garantir maior transparência nessas transações, certificando-se, assim, que o País não esteja contribuindo com regimes que cometem graves violações de direitos humanos”, ressalta Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, que acompanha as negociações essa semana em Cancún.
“A demora do Brasil em ratificar o tratado manda um sinal de hesitação política e esvazia sua capacidade de incidência na definição das suas regras de operação, além de deixar o país para trás em relação a países que também possuem grandes indústrias de armas e que estão entre os 10 maiores exportadores, como o Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Itália, que já ratificaram o TCA”, assinala Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil.
Trâmite interno
O Brasil assinou o ATT em junho de 2013, dando início ao processo de ratificação. O texto já recebeu os pareceres favoráveis do Itamaraty, dos Ministérios da Justiça e Defesa, e agora é analisado pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Na sequência, segue para as comissões de Segurança Pública e de Constituição e Justiça da Casa antes de ser enviado para análise do Senado. Após aprovação no Congresso, o texto deve retornar para adoção final do Executivo.
“A entrada em vigor do ATT é um marco histórico no controle de armas em âmbito global. Temos uma grande expectativa de que a vigência do tratado possa contribuir o mais rápido possível para reduzir a violência armada no mundo. Por isso é fundamental para o Brasil, que tenta há décadas entrar no Conselho de Segurança da ONU, ratificar o tratado o quanto antes”, afirma Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz.
Audiência na Câmara
A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara realizou, no dia 13/8, audiência pública para ouvir especialistas sobre o Tratado de Comércio de Armas.
Estiveram presentes membros da academia e do Executivo, representados pelos ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Justiça, que já deram pareceres favoráveis à aprovação do texto.
“O tratado é mais um piso do que uma referência. Ele simplesmente coloca exigências mínimas e cada Estado construirá [sua política] sobre essas exigências”, afirmou o ministro João Marcelo Galvão de Queiroz, chefe da Divisão de Desarmamento e Tecnologias Sensíveis do Itamaraty durante a audiência. “O Brasil sempre se mostrou sensível aos efeitos danosos do tráfico ilícito de armas decorrente do reduzido grau de regulação internacional do comércio de armas”, concluiu.
A ratificação também foi defendida durante a audiência pelo General de Divisão Aderico Visconte Pardi Mattioli, representando o Ministério da Defesa, e o Delegado da Polícia Federal Tony Gean Barbosa, representando o Ministério da Justiça.