Voltar
-
23/04/2024

Lucro com trabalho forçado aumenta 37% no mundo, aponta OIT

Trabalho forçado faz 27,6 milhões de vítimas pelo mundo; no Brasil, sociedade civil atua para denunciar casos e buscar reparações

 Lista Suja do trabalho escravo, elaborada pelo governo federal, reúne 248 patrões no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. Foto: Ministério do Trabalho/Divulgação Lista Suja do trabalho escravo, elaborada pelo governo federal, reúne 248 patrões no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. Foto: Ministério do Trabalho/Divulgação

A escravidão moderna é uma realidade lucrativa em diferentes partes do mundo. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado no fim de março, revela um aumento de 37% nos lucros ilegais oriundos do trabalho forçado no setor privado desde 2014.

Intitulado “Lucros e pobreza: aspectos econômicos do trabalho forçado”, a pesquisa aponta que o trabalho forçado resulta em um lucro ilegal de US$ 236 bilhões por ano. Esse valor corresponde aos salários que trabalhadores e trabalhadoras deveriam receber, mas que acabam ficando nas mãos dos seus exploradores.

“As pessoas em situação de trabalho forçado estão sujeitas a múltiplas formas de coação, sendo a retenção deliberada e sistemática do salário uma das mais comuns”, afirma Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da OIT, no relatório.

O que é trabalho forçado?

Trabalho forçado é “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual esse indivíduo não se oferece voluntariamente”.

As ameaças podem ocorrer em qualquer fase do ciclo do trabalho: no momento do recrutamento (forçando alguém a aceitar um trabalho contra sua vontade), durante a realização do trabalho em si (obrigando a pessoa a trabalhar e/ou viver em condições com as quais não concorda), ou na tentativa de rompimento (obrigando a pessoa a permanecer no trabalho).

Segundo o relatório da OIT, em 2021, último ano considerado para a comparação, 27,6 milhões de pessoas estavam nessa situação no mundo.

“O trabalho forçado perpetua ciclos de pobreza e exploração e atinge o cerne da dignidade humana. A comunidade internacional deve unir-se urgentemente para tomar medidas para acabar com esta injustiça, salvaguardar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e defender os princípios de justiça e igualdade para todas as pessoas”, afirma  Houngbo. 

A piora observada no período analisado se deve ao crescimento do número de pessoas forçadas a trabalhar, juntamente do aumento dos lucros gerados em cima delas.

A exploração sexual comercial forçada representa mais de dois terços (73%) do total dos lucros ilegais, apesar de corresponder a apenas 27% do número total de vítimas. De cada  cinco pessoas que diariamente são submetidas a essa situação, quatro são meninas ou mulheres, e a OIT estima que grupos criminosos obtenham US$ 27.252 com o trabalho de cada uma delas.

Depois da exploração sexual comercial, o setor com os maiores lucros anuais ilegais provenientes do trabalho forçado é a indústria, com US$ 35 bilhões, seguida pelos setores de serviços (US$ 20,8 bilhões), agricultura (US$ 5 bilhões) e trabalho doméstico (US$ 2,6 bilhões). 

O relatório destaca a necessidade urgente de investir em medidas para travar os fluxos de lucros ilegais e responsabilizar os seus autores, e recomenda o reforço das estruturas legais, com a expansão da inspeção do trabalho em setores de alto risco e uma melhor coordenação entre a aplicação das leis trabalhistas e criminais.

Mas a OIT alerta que o combate ao trabalho forçado requer uma abordagem abrangente que englobe as causas mais profundas do problema e priorize a proteção das vítimas.

A situação no Brasil

No início de 2023, o resgate de 207 homens em situação análoga à escravidão em uma vinícola gaúcha lançou luz sobre o racismo e a precarização do trabalho no Brasil. Além da agricultura, construção civil, confecção e trabalho doméstico são outras áreas econômicas com graves casos de trabalho forçado.  

Organizações da sociedade civil brasileira atuam para mudar essa realidade.  Também no ano passado, durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, as organizações Conectas, Adere-MG (Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais), Business Human Rights Resource Center e Oxfam Brasil pediram que a comunidade internacional rejeitasse a produção oriunda de trabalho análogo ao escravo no país, apresentando dados do documento “Desmontes e retrocessos no sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”, elaborado pelas entidades, em 2022.

Em janeiro deste ano, a Conectas lançou o relatório “Pragas na lavoura: escravidão moderna na indústria cafeeira”, feito em parceria com a organização holandesa SOMO. O levantamento revela a persistência da escravidão moderna e a necessidade de medidas significativas para coibir o trabalho forçado na cadeia produtiva do café. Segundo o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, de 1996 a 2023, foram encontrados 3.700 trabalhadores em condições análogas à escravidão em lavouras de café em todo o país. 

De acordo com o relatório, há evidências da fragilidade da autorregulação corporativa, com falhas em auditorias externas e nos esquemas de certificação, que não identificam de forma consistente e eficaz os riscos para os direitos humanos e a prevenção de danos. Pelo contrário: acabam por fornecer falsas garantias de conformidade, ao mesmo tempo que inibem a investigação e as intervenções necessárias.

Dezenas de violações recorrentes estão documentadas no estudo, como a ausência de contratos de trabalho, irregularidades nos pagamentos, instalações inadequadas para higiene, não fornecimento de água potável e de refeições.

Denúncia internacional

Em março deste ano, Conectas e Adere-MG voltaram ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para denunciar a dificuldade do governo brasileiro na área de fiscalização trabalhista. “Apesar de seus esforços, o Estado brasileiro continua ineficaz nessa luta. Atualmente, as fiscalizações para combater o trabalho escravo estão suspensas”, afirmou Jorge Ferreira dos Santos, da Adere-MG. 

Natural de Minas Gerais, Santos é trabalhador rural e luta pelos direitos humanos de sua categoria (leia a história completa na publicação Conectas 20). Ele próprio enfrentou o  trabalho análogo ao escravo durante  um período da sua vida e conta que “não tinha direito nenhum respeitado”. E, hoje, entendo que fui submetido a situações de trabalho análogo ao de escravo, como jornadas exaustivas de trabalho e servidão por dívida”.

Lista Suja atualizada

Divulgada no início de abril, a nova Lista Suja do trabalho escravo, elaborada pelo governo federal, reúne 248 patrões no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. O número representa o maior acréscimo registrado desde a criação da lista. Desses, 43 foram inseridos devido à constatação de práticas de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico. As atividades econômicas com maior número de empregadores incluídos na atualização corrente são: trabalho doméstico (43), cultivo de café (27), criação de bovinos (22), produção de carvão (16) e construção civil (12).

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas