A Turquia continua recrudescendo a histórica repressão aos curdos que vivem no país. O governo tem usado o rompimento do processo de paz em julho de 2015 e a fracassada tentativa de golpe de Estado em junho de 2016 para aprofundar medidas repressivas, como o fechamento de ONGs e veículos de comunicação e a prisão arbitrária de críticos ao regime.
Regiões de maioria curda são especialmente atingidas pelo Estado de Emergência instituído em julho de 2016. Mais de 37 co-prefeitos curdos foram detidos desde o dia 17/11. Segundo comunicado publicado no dia 12/11 pelo Repak (Kurdish Women’s Relation Office), 370 organizações e associações foram fechadas por decreto, das quais 199 são acusadas de filiação ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão).
Ao final de missão realizada ao país, no dia 18/11, o relator especial da ONU para a liberdade de expressão, David Kaye, afirmou que o governo turco “impõe medidas draconianas que limitam a liberdade de expressão” e que “imprensa, internautas, artistas, vozes da oposição e muitas outras estão enfrentando uma pressão sem precedentes, pda censura à detenção definitiva”.
Nesta entrevista, a jurista e defensora de direitos humanos turca Nurcan Kaya, participante dos protestos de 2013 no Parque Gezi, em Istambul, analisa a situação de direitos humanos no país e comenta, em particular, o uso da legislação antiterrorismo para perseguir opositores do regime – como aconteceu com a ativista feminista curda Ayla Akat e com os co-prefeitos da cidade curda de Diyarbakir, epicentro da nova onda de violência.
Para Nurcan, “o governo não deseja encontrar uma solução pacífica para a situação curda no momento” e sobre a população paira a dúvida generalizada: “quem será o próximo?”
1. Quantos co-prefeitos curdos foram presos nos últimos meses? Por que as forças de segurança turcas estão mirando esses co-prefeitos?
O Partido das Regiões Democráticas (DBP) pró-curdo ganhou 106 municipalidades, incluindo municipalidades metropolitanas, provincianas e distritais nas eleições locais de 2014. Desde 17/11, 37 co-prefeitos de 27 municipalidades estão na cadeia. Quatro deles são vice-prefeitos. Desde agosto de 2015, contudo, 16 co-prefeitos de 14 municipalidades foram presos e soltos mais tarde. E ainda, 24 co-prefeitos de 19 municipalidades foram liberados após serem detidos. Portanto o número de co-prefeitos detidos ou presos mesmo que por um curto período de tempo é ainda maior.
Além disso, desde setembro de 2016, administradores foram indicados para 34 municipalidades, o que significa que os prefeitos eleitos não estão podendo governar. Administradores são apontados pelo governo, portanto, não são eleitos pelos cidadãos/eleitores.
Em resposta a sua segunda pergunta, mais do que as forças de segurança, são principalmente o governo e o Judiciário que têm como alvo esses co-prefeitos. Alguns deles são tirados da função através da indicação de administradores (decisões administrativas) e outros são presos (decisões judiciais). Eles são, em geral, acusados pela lei antiterrorismo, ainda que não haja nenhuma decisão vinculante que possa servir de base para tais medidas administrativas ou legais.
Atualmente, co-líderes do Partido Democrático dos Povos (HDP) curdo e oito outros membros do parlamento também estão na cadeia. Esse partido recebeu mais de seis milhões de votos do povo e está quase banido de conduzir atividades políticas. Eu acredito que isto está acontecendo porque o governo não deseja uma solução pacífica para o conflito armado na Turquia. E, ainda, há menos e menos tolerância para qualquer movimento político ou da sociedade civil que seja crítico ao governo.
2. Você relaciona essa nova onda de violência à tentativa de golpe de julho ou ao fim do processo de paz?
Eu não acho que a pressão sobre os políticos pró-curdos esteja relacionada à tentativa de golpe. A tentativa de golpe está apenas sendo usada como uma desculpa pelo governo para prolongar o Estado de Emergência, a restrição de vários direitos humanos e a punição contra qualquer pessoa ou instituição que critique o governo. Isto está parcialmente ligado ao fim do processo de paz. Partidos pró-curdos poderiam ter um papel significante nessa negociação. O governo, no entanto, não deseja encontrar uma solução pacífica para a situação curda no momento.
3. Ayla Akat, uma advogada, ativista e ex-membro do Parlamento Turco foi presa na semana passada, como muitos outros ativistas curdos. Quais são as alegações do governo para essas prisões? O que a sociedade civil e os outros países podem fazer para barrar esse processos e liberar os presos políticos?
Ayla Akat foi presa durante uma manifestação que foi organizada para protestar contra a detenção dos co-prefeitos do município metropolitano Diyarbakir. Acusam-na de liderar uma organização terrorista.
Acredito que organizações da sociedade civil em outros países podem conduzir atividades para sensibilizar suas comunidades sobre o que está acontecendo na Turquia, e essa sensibilização, esperançosamente, pode ter como resultado convencer seus governos a pressionarem o governo turco. Muitos Estados e organizações inter-governamentais podem impor sanções políticas, legais e econômicas sobre a Turquia.
ONGs de todo o mundo podem organizar encontros, convidar pessoas da Turquia, quando necessário, para ir falar sobre a situação. Elas podem entrevistar as pessoas remotamente, disseminar notícias e organizar eventos em solidariedade. Ouvir vozes de outros países é reconfortante também. Nós precisamos de solidariedade. É sempre motivador ouvir que há pessoas em algum lugar agindo para nos apoiar.
4. O governo está usando a agenda internacional antiterrorismo para perseguir a oposição na Turquia? Qual é a responsabilidade dos atores globais (estatais e privados) nesse processo?
Sim, eu acredito que o governo está usando a agenda internacional antiterrorismo e também o atual conflito com o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão] para perseguir a oposição. O mundo se tornou mais sensível ao terrorismo, particularmente desde o 11/9. Em muitos lugares os direitos humanos foram restringidos com base no combate ao terrorismo. Além disso, ultimamente, devido a ataques do Estado Islâmico a Estados europeus, muitos países estão em alerta. O governo turco tenta se beneficiar dessa sensibilidade e justificar muitas violações de direitos humanos com base no combate ao terrorismo – e espera que a comunidade internacional aprove essas práticas. Na realidade, ultimamente ele nem liga muito para o que a comunidade internacional pensa.
5. Estamos acompanhando também a repressão a veículos independentes de mídia. Você tem um número estimado de quantas TVs, rádios, e jornais foram arbitrariamente fechados nos últimos meses? Qual é o impacto dessa repressão sobre o direito das minorias?
Desde 15/7, cerca de 170 jornais e estações de rádio e TV foram fechados. Alguns desses veículos eram pró-curdos, transmitiam em língua curda ou eram administrados por alevis [uma minoria religiosa]. Eles fecharam até um canal de TV que transmitia desenhos animados em curdo. As minorias têm menos chance de se expressar sobre seus direitos agora.
6. Outras minorias como os armênios são alvo também?
Por enquanto a maior pressão tem sido sobre os curdos, e sobre alguns veículos de mídia pró-alevis. Organizações ou veículos de mídia de outras minorias não foram diretamente atingidos. No entanto, o desenvolvimento e o clima atualmente são muito intimidadores para eles e podem causar algum nível de censura. Todos na Turquia, incluindo minorias, se perguntam a mesma coisa: “quem é o próximo?”