A crescente onda de violência policial nos protestos contra profissionais da imprensa foi tema de debate entre jornalistas, advogados e cerca de 60 estudantes, nesta quarta (15), na PUC-SP.
Além dos fotógrafos Sérgio Silva e Alex Silveira, cegados por tiros de borracha da PM (Polícia Militar) paulista enquanto cobriam protestos, participaram representantes da Defensoria Pública de São Paulo, Conectas e Ponte.
Silva e Silveira narraram os episódios em que perderam a visão e manifestaram indignação diante da decisão de recente decisão da Justiça de São Paulo que atribuiu culpa a Silveira por ter sido atingido pela polícia.
O fotógrafo foi ferido em um protesto de professores, em 2000, quando trabalhava para o jornal Agora SP. Entrou na Justiça com pedido de indenização do Estado e ganhou em primeira instância. Mas, em setembro deste ano, a decisão foi revertida em segunda instância. Ficou decidido que Silveira havia se colocado e permanecido em situação de risco, sendo o único culpado pelo incidente. O repórter-fotográfico, que desde o ocorrido, há 14 anos brigava na Justiça por uma indenização material e moral, teve seus pedidos negados, e ainda terá ainda que arcar com os custos do processo.
“Isso foi uma decisão política”, afirmou Alex. Para o fotógrafo, a decisão sobre seu caso impactará diretamente no julgamento de outros processos movidos contra o Estado por pessoas feridas emmanifestações. “Depois dessa decisão, qulquer cidadão será considerado culpado se for vítima da violência da polícia”, disse.
O caso de Sérgio Silva pode ser um deles. Alvejado por uma bala de borracha enquanto cobria um protesto contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo em 2012, o fotógrafo aguarda decisão da Justiça.
“Quando me acertaram, podiam ter acertado um pedreiro, uma dona de casa ou qualquer outro que estivesse ali naquele momento”, explicou Silva. “O tiro não foi contra mim, foi contra a sociedade.”
Ação Civil Pública – Fora das leis ou ‘delírio’?
Segundo o defensor público Rafael Lessa, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria, a Polícia Militar vem descumprindo normas nacionais e internacionais que regulam sua função no uso da força e de armas de fogo. “A polícia pode atirar da cintura para baixo apenas em quem está armado. Todas as normas nacionais e internacionais apontam isso”, enfatizou.
Ele lembrou que o trabalho da PM é regido por normas específicas que devem ser estritamente seguidas. Conectas e o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública entregaram à Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, em agosto de 2013, um conjunto de recomendações para a atuação da polícia nestas circunstâncias. Não houve resposta.
Em abril de 2014, a Defensoria moveu Ação Civil Pública à SSP pedindo que o judiciário obrigue o Estado a adotar as medidas deste documento. A ação tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública e, até agora, o juiz Valentino Aparecido de Andrade não decidiu sobre o pedido liminar feito pela Defensoria. Como medida de comparação, a liminar referente à reintegração de posse do Edifício São João saiu no mesmo dia do pedido.
No entanto, a Procuradoria do Estado, representante do Executivo paulista na ação, já se manifestou afirmando que a Ação movida pela Defensoria seria um “delírio” e que a sociedade não pode querer controlar a polícia.
Conectas ingressou com amicus curiae – manifestação de terceiro interessado em processo de interesse público – trazendo parâmetros internacionais para o uso da força, mostrando que a PM de SP não está cumprindo os padrões que existem desde 1979 desenvolvidos no âmbito da ONU e OEA.
No debate, Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas, falou sobre a necessidade de reforma do modelo policial existente, que “não é compatível com o Estado Democrático de Direito”. Uma vez que a polícia militar exerce função “auxiliar do Exército”, como prevê a Constituição, ela é treinada e pensada para lidar com a sociedade civil com violência e brutalidade. “Umas das únicas instituições que não fizeram a transição para a democracia foi a polícia”, disse ele.
Panela de pressão
O Deputado Estadual João Paulo Nilo (PT) também participou do encontro para falar sobre o PL 647/2013, de autoria do deputado Francisco Campos Tito (PT), que veda o uso de munições de elastômero (bala de borracha) do calibre 12 pelos órgãos de Segurança Pública do Estado. Nilo mostrou-se preocupado com o andamento do Projeto por conta da nova composição da Assembleia Legislativa após as eleições.
“A solução é pressionar”, afirmou Liane Lira, do Minha Sampa (rede de mobilizações). “O PL está atualmente na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alesp. Sugiro que todos usem a ferramenta Panela de Pressão para pressionar os tomadores de decisão a aprova-lo”.
Aplicativo virtual de mobilizações, o Panela de Pressão envia e-mails diretamente para os governantes que compõem a Comissão solicitando a proibição do uso abusivo da bala de borracha.