Destaque em acalorados debates, resolução sobre protestos apresentada pela Suíça, Costa Rica e Turquia foi um dos temas centrais da 25a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada em Genebra entre os dias 3 e 28 de março. O texto, que poderia ter sido mais incisivo na proteção dos direitos humanos dos manifestantes, foi aprovado e deve ser visto como uma oportunidade para que o tema continue avançando no plano internacional.
Os limites impostos pela comunidade internacional nesse tema contrastaram com decisões importantes para a garantia de direitos. É o caso da aprovação de uma investigação sobre os crimes cometidos no Sri Lanka durante a guerra civil (1983-2009). Outro importante passo foi dado com a renovação do mandato do relator especial para o Irã, país que vem experimentando aumento no número de execuções e casos de perseguiçaão a opositores, apesar das expectativas geradas pelo novo governo.
Veja abaixo um resumo dos destaques da sessão e das ações da Conectas em Genebra:
Protestos
A resolução sobre protestos foi alvo de intensos e acalorados debates. O resultado foi a aprovação de um texto aquém das expectativas das organizações não-governamentais em termos de proteção dos direitos humanos. A resolução não avançou em pontos reivindicados pelas sociedade civil, como a proibição do uso de armas letais pelos agentes do Estado durante manifestações. Ainda, o texto acabou por não reconhecer explicitamente que um ato de violência que venha a ocorrer durante um protesto não elimina os direitos dos manifestantes e não isenta o Estado de garantir o respeito pleno aos direitos humanos. Conheça as demandas das ONGs, incluindo a Conectas, que haviam sido apresentadas em carta e em declaração oral.
Um grupo de países liderados pela África do Sul, que incluía Índia, China e Rússia – ou seja, todos os parceiros do Brasil no BRICS – apresentou um pacote de emendas à resolução que enfraqueciam ainda mais o texto. Elas permitiam, por exemplo, que protestos pudessem ser considerados ameaça à segurança nacional e solicitavam a responsabilização de organizadores por atos de violência cometidos durante manifestações. Conectas e organizações parceiras se posicionaram contrárias às emendas em declaração conjunta.
O Brasil, em uma demonstração de coerência com os direitos humanos, diferenciou-se dos demais países do BRICS e se posicionou contra essas duas graves emendas, colaborando para que fossem rejeitadas pela maioria. Outras duas emendas menos danosas, e que também foram rejeitadas, contaram com a abstenção do Brasil. O texto da resolução foi finalmente adotado por 31 votos a favor – incluindo o Brasil -, 7 abstenções e 9 votos contrários. Entre os que foram contra o texto estão os todos os demais BRICS.
Ainda que a resolução adotada tenha limites, ela abre possibilidades de avanços ao pedir que o Alto Comissariado, em colaboração com os relatores especiais da ONU, elabore diretrizes para a proteção dos direitos humanos em contexto de protestos sociais. Tais diretrizes, que devem ser apresentadas dentro de dois anos, constituem uma importante oportunidade de avanço no tema.
Sri Lanka e Coreia do Norte
O Conselho de Direitos Humanos, com a aprovação da resolução para o Sri Lanka, estabeleceu uma investigação internacional dos crimes cometidos naquele país durante a guerra civil. A investigação, que deve ser conduzida pelo Alto Comissariado, contribuirá para o avanço da responsabilização das violações de direitos humanos. Conectas, em conjunto com mais 23 organizações do Sul Global, assinaram carta enviada às delegações dos Estados membros do Conselho apoiando a investigação internacional, uma vez que os avanços internos têm sido escassos e deficientes. Apesar da tentativa encabeçada pelo Paquistão de adiar o debate e de eliminar a criação da investigação internacional, a resolução foi adotada e contou também com o voto favorável do Brasil, que destoou novamente, de forma positiva, da posição dos demais BRICS (China e Rússia votaram contra e Índia e África do Sul se abstiveram).
Nesta mesma sessão, a Comissão de Inquérito da Coreia do Norte, estabelecida no ano passado, apresentou seu relatório final. A Comissão concluiu, através dos depoimentos coletados, que a Coreia do Norte cometeu crimes contra a humanidade. O Conselho de Direitos Humanos aprovou também, com o apoio do Braisl, resolução recomendando que a Assembleia Geral submeta o relatório da Comissão ao Conselho de Segurança das Nações Unidas “a fim de que os responsáveis por violações dos direitos humanos, incluindo aqueles que podem constituir crimes contra a humanidade, sejam responsabilizados”. Novamente, Rússia e China votaram contra a resolução e Índia e África do Sul se abstiveram.
Irã
Foi renovado, com apoio do Brasil, o mandato de relator para Irã. Conectas e organizações parceiras enviaram apelo a delegações em Genebra e capitais destacando a importância desse mandato mesmo diante da mudança de governo. No documento, as organizações afirmam que houve crescimento na aplicação da pena de morte e registro de casos de detenção arbitrária de centenas de prisioneiros políticos e prisioneiros de consciência, perseguição a minorias étnicas e religiosas e restrições à liberdade de expressão e de imprensa desde o início do novo governo. A resolução que renovou o mandato do relator, entrentanto, também não contou com o apoio dos BRICS (China, Rússia e Índia votaram contra e África do Sul se absteve).
Brasil e os BRICS
“É positivo que nos caso das resoluções sobre protestos, Sri Lanka, Coreia do Norte e Irã – onde direitos humanos estavam em jogo -, o Brasil não se inclinou à cumplicidade BRICS e destoou dos demais países do grupo”, afirma Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da Conectas. “É preocupante que Índia e África do Sul, países que o Brasil qualifica como democráticos e promotores de direitos humanos, estejam se mostrando distantes desses princípios em seus votos. Cabe saber se o Brasil, dada a alegada capacidade de coordenação no IBAS, tem se empenhado em dialogar com seus aliados em prol de mudanças nestas posturas”, completa.
Denúncias da Conectas
Além de monitorar os debates e os votos do governo brasileiro e dos demais membros dos BRICS, Conectas levou à 25a sessão do Conselho diversas denúncias sobre as persistentes violações aos direitos humanos no País. Em três pronunciamentos orais, a organização falou sobre os crimes cometidos no complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, sobre a situação dos imigrantes haitianos na cidade de Brasileia e, ainda, sobre a realização de revistas vexatórias nas entradas dos presídios – tema que também inspirou a realização de um evento paralelo.