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Notícia
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04/11/2025

STF marca audiência para discutir megaoperação que deixou mais de 120 mortos no Rio

Ministro Alexandre de Moraes convocou organizações de direitos humanos e órgãos públicos para tratar da Operação Contenção, realizada nos Complexos da Penha e do Alemão

STF - Supremo Tribunal Federal (Valter Campanato/Agência Brasil) STF - Supremo Tribunal Federal (Valter Campanato/Agência Brasil)


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima quarta-feira (5), às 10h, uma audiência no âmbito da ADPF 635 (ADPF das Favelas) para discutir a megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro no fim de outubro, que resultou em mais de 120 mortes.

A reunião reunirá órgãos públicos, entidades da sociedade civil e pesquisadores. Entre os participantes convidados estão o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o Instituto Anjos da Liberdade, o Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (LADIH) e a Associação Direitos Humanos em Rede (DHNet). Como amicus curiae na ação, a Conectas também participa da audiência. 

Na decisão que convocou a audiência, Moraes determinou também a preservação e documentação rigorosa e integral das provas relativas à operação, sob controle do Ministério Público. O ministro assumiu temporariamente a relatoria da ADPF 635 após a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, antigo relator da ação.

Sociedade civil denuncia letalidade e ataques à ADPF das Favelas

Mais de 30 organizações de direitos humanos, entre elas a Conectas, repudiaram a Operação Contenção, realizada na terça-feira (29) nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação policial deixou dezenas de mortos e foi classificada como a mais letal da história do estado.

As entidades denunciam o uso desproporcional da força pelo Estado, o racismo estrutural presente na política de segurança e a adoção de uma doutrina de guerra como modelo de gestão pública. Ainda segundo as organizações, o governador Cláudio Castro é responsável por quatro das cinco operações mais letais já registradas no Rio, entre elas as chacinas da Vila Cruzeiro (2021) e do Jacarezinho (2022).

O texto também rejeita as tentativas do governo estadual de responsabilizar a ADPF das Favelas e as organizações da sociedade civil pela letalidade da operação. Durante seu pronunciamento, o governador mencionou a ação e seus proponentes, atacando o controle das polícias — papel constitucionalmente atribuído ao Ministério Público — e tentando deslegitimar o trabalho das entidades que lutam pelo direito à vida nas favelas. “Esse ciclo de violência não é acidental: ele decorre de uma estratégia deliberada que privilegia o confronto armado em detrimento de qualquer compromisso com a vida e com a legalidade”, afirmam as organizações.

O que é a ADPF das Favelas

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como ADPF das Favelas, foi apresentada ao STF em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), com o apoio de organizações, movimentos e coletivos que atuam no enfrentamento à violência policial no Rio de Janeiro. A ação questiona decretos estaduais que regulamentam a política de segurança pública fluminense e denuncia graves violações de direitos humanos cometidas pelas forças policiais.

Entre as entidades que participam da ação estão Conectas, Redes da Maré, Justiça Global, Educafro, Movimento Negro Unificado, Instituto de Estudos da Religião (Iser), Coletivo Papo Reto, Coletivo Fala Akari, Instituto Marielle Franco, Mães de Manguinhos, CESeC/Ucam, entre outras.

As organizações pedem a adoção de medidas concretas para reduzir a letalidade policial e garantir justiça às vítimas, como a instalação de câmeras em fardas e viaturas, o veto ao uso de helicópteros como plataforma de tiro e o controle rigoroso das operações em áreas com escolas e unidades de saúde.

Relembre o histórico da  ação

Desde que foi proposta em novembro de 2019, a ADPF 635 visou reconhecer as graves violações de preceitos fundamentais decorrentes da política de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, marcada por elevada letalidade policial em favelas e periferias. A petição demandou que fosse determinado ao Estado fluminense a elaboração, no prazo de 90 dias, de um plano com medidas objetivas, cronograma e previsão de recursos para reduzir a letalidade policial e o controle de violações pelos agentes de segurança. 

Durante o período da pandemia de Covid-19, o STF concedeu liminar em junho de 2020 — por meio do então relator Edson Fachin e validado pelo plenário — determinando que operações policiais nas comunidades do Rio só ocorressem em hipóteses absolutamente excepcionais, com justificativa por escrito e comunicação ao Ministério Público. Em abril de 2025, o STF proferiu decisão colegiada encerrando o julgamento da ADPF 635, acatando parcialmente os pedidos da ação, homologando um plano do Estado do Rio para redução da letalidade policial e criando diretrizes sobre investigação, transparência e reocupação territorial, ao mesmo tempo em que reduziu restrições impostas previamente às polícias. 

Apesar das decisões, o estado do Rio de Janeiro segue registrando chacinas e execuções sumárias, evidenciando o descumprimento das determinações da Corte. Organizações que acompanham o caso afirmam que a recente megaoperação, conhecida como Operação Contenção, representa novo episódio de desrespeito à ADPF das Favelas e reforça a urgência de um plano efetivo de redução da letalidade policial, com participação das comunidades e de instituições de direitos humanos.

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