Voltar
-
13/11/2024

STF julga ADPF 635, sobre violência policial nas favelas do Rio de Janeiro

Plenário do Supremo Tribunal Federal será aberto para as sustentações orais nesta quarta-feira, 13 de novembro; movimentos sociais e sociedade civil irão a Brasília acompanhar a sessão

Conjunto de favelas da Maré, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro (foto: Douglas Lopes) Conjunto de favelas da Maré, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro (foto: Douglas Lopes)

O Supremo Tribunal Federal (STF) dará início, nesta quarta-feira (13/11), ao julgamento de um caso fundamental para a redução da violência policial nas favelas do Rio de Janeiro. A ação em questão é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, mais conhecida como “ADPF das Favelas”. 

A ação foi proposta ao final do ano de 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e conduzida em conjunto com uma série de movimentos negros, de mães e familiares de vítimas da violência policial, de favelas, além de organizações da sociedade civil. Inicialmente inspirada na ação civil pública da Maré, proposta pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro para a adoção de protocolos que visassem a redução da letalidade policial durante as operações, a ADPF das Favelas mira a adoção de medidas estruturais que possam frear e reverter políticas de segurança pública historicamente pautadas no racismo e na violência contra territórios negros e favelados. 

O julgamento será iniciado com a leitura do relatório do ministro Edson Fachin, que levará ao plenário o histórico do processo, seguida das sustentações orais das partes envolvidas. A votação, no entanto, será agendada para uma data posterior. Uma das particularidades desta ação é o fato de ser a primeira a ter movimentos sociais entre os amici curiae, fato inédito na história do judiciário brasileiro. 

Principais pontos da ADPF das Favelas

A ADPF 635 aborda uma das questões mais alarmantes do Brasil: o alto índice de mortes em operações policiais nas favelas e periferias da cidade  do Rio de Janeiro. A violência, impulsionada pela chamada “Guerra às Drogas”, tem deixado um rastro de mortes, dor e insegurança, afetando diretamente as populações mais vulneráveis dessas regiões.

Dentre os pedidos formulados na ADPF 635 e, deferido de forma unânime pelo STF no ano de 2022, encontra-se a elaboração e implementação, por parte do Estado, de um efetivo Plano de Redução da Letalidade Policial. Tal pedido possui lastro evidente na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, a qual condenou o Estado Brasileiro à elaboração do referido plano. 

O que pode ser decidido neste julgamento?

No julgamento, o STF pode decidir sobre uma série de pontos importantes, incluindo:

 

  • Medidas de Transparência e Controle: O STF pode exigir a implementação de medidas para garantir maior transparência nas ações policiais, confirmando a obrigatoriedade de uso de câmeras, dispositivos de gravação de áudio, bem como a presença de socorristas durante as operações, dentre outras medidas já concedidas durante o julgamento das medidas cautelares nesta ação;

 

  • Responsabilização e Investigação: Os ministros podem determinar diretrizes para investigações mais rigorosas sobre abusos e mortes em operações policiais, incluindo a obrigatoriedade de investigação independente para evitar impunidade, com especial atenção para a independência dos órgãos periciais e preservação da cadeia de custódia da prova

 

  • Criação de Políticas Públicas Alternativas: O STF também pode instar o Estado a desenvolver políticas públicas de segurança alternativas e integradas, voltadas para a redução da violência e para ações de prevenção em vez de intervenções repressivas;

 

  • Proteção de Grupos Vulneráveis: Como parte da decisão, o STF pode incluir medidas específicas para proteger crianças, adolescentes e outros grupos vulneráveis que frequentemente são afetados pela violência policial, incluindo a preservação de perímetros escolares e a priorização de investigações cujas vítimas sejam crianças e adolescentes;

 

  • A obrigatoriedade de adoção, pelo Estado do Rio de Janeiro, de um plano efetivo para a redução da letalidade policial, que contemple metas específicas para esta redução. A coalizão da ADPF 635 apresentou ao Supremo Tribunal Federal diferentes parâmetros, que levariam a uma obrigatoriedade de redução da letalidade, em média, de 70%.

 

  • A criação de mecanismos de monitoramento do plano de redução da letalidade policial e das demais políticas voltadas à garantia dos direitos humanos nas favelas, tanto no âmbito do STF quanto por meio de uma Comissão Independente de Supervisão da Atividade Policial, a ser instituída no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos

 

  • A decisão pode ter implicações de longo alcance para o policiamento em favelas, estabelecendo um novo parâmetro para operações policiais em áreas densamente povoadas e com histórico de violência. Uma decisão favorável às limitações poderá significar uma reestruturação no modelo de segurança pública, com foco maior na proteção dos direitos humanos e na redução da letalidade policial.

Coalizão que ajuizou a ADPF das Favelas fará mobilização em Brasília

Organizações da sociedade civil e movimentos sociais em defesa dos direitos humanos se mobilizam para acompanhar de perto a análise do STF e destacam a importância deste julgamento para a implementação de políticas públicas que realmente garantam segurança e proteção para todos os cidadãos, especialmente aqueles que mais sofrem com a violência do Estado.

A expectativa é que, a partir deste julgamento, se dê um passo importante para a criação de um novo modelo de segurança pública, que respeite os direitos humanos e proteja as comunidades mais vulneráveis, sem sacrificar vidas inocentes em nome de políticas de segurança falidas.

E ainda que seja possível refrear a lógica violenta e racista sob a qual o modelo de segurança pública vem sendo historicamente pautado no Rio de Janeiro e no Brasil todo. Se mudanças estruturais só serão possíveis por meio de lutas historicamente construídas, a ADPF das Favelas constitui-se, em um só tempo, como uma demanda de realização dos direitos constitucionalmente garantidos a toda a população brasileira, como um processo que discute e pauta tecnicamente a viabilidade de construção de um novo modelo, e como um manifesto pela vida plena para o povo negro e favelado do Rio e de todo o país.

O julgamento da ADPF das Favelas será um marco decisivo na luta pela vida e segurança das populações periféricas, que há anos aguardam uma resposta efetiva do Estado para o fim da violência policial indiscriminada.

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas