O Brasil ignorou hoje, em painel sobre pena de morte na 28a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a iminência da execução de mais um brasileiro na Indonésia. Apesar de o caso ocupar espaço importante na agenda externa brasileira desde o início do ano e de ter gerado tensões diplomáticas entre os dois países, não mereceu nenhuma linha no discurso de pouco menos de dois minutos feito pela embaixadora Regina Maria Dunlop na manhã desta quarta-feira (4/3), em Genebra.
Leia aqui a íntegra do discurso brasileiro.
“Dado o envolvimento direto da presidente Dilma no tema, inclusive com pedidos pessoais de clemência, esperava-se que a diplomacia brasileira fosse firme em suas críticas”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “O Brasil perdeu uma oportunidade única de mostrar coerência e pressionar a Indonésia internacionalmente. Seu discurso foi vazio e desconectado da realidade.”
A falta de contundência do discurso brasileiro contrastou com o tom adotado por países como a Argentina – que mencionou, inclusive, seus esforços para reverter a pena de um cidadão argentino que aguarda execução nos Estados Unidos.
Leia aqui a íntegra do discurso da Argentina.
A Indonésia também se manifestou durante o painel. Apesar da defesa aberta da pena de morte, o país – ao contrário do Brasil – não fugiu do debate concreto. “Essa questão é um componente inalienável da soberania legal de um país. Serve como importante impeditivo contra os crimes considerados mais sérios por nossa sociedade”, afirmou seu representante. “Se reintroduzimos a pena de morte é simplesmente porque somos guiados pelo agravamento da situação que afeta a nossa sociedade como resultado desses crimes.”
Leia aqui a íntegra do discurso da Indonésia.
O governo indonésio implantou uma moratória unilateral à pena de morte entre 2008 e 2013, mas as execuções foram retomadas, especialmente depois da eleição, no ano passado, do presidente Joko ‘Jokowi’ Widodo. Uma das mais importantes bandeiras de sua campanha foi justamente o uso da pena capital para crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes – como é o caso dos brasileiros Marcos Archer, executado em janeiro, e Rodrigo Goularte, que aguarda no corredor da morte.
Ouça a análise de Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas:
Lição de casa
Para a Conectas, a fala do Brasil também evidenciou incoerências entre discurso e prática dentro do governo. A embaixadora Dunlop afirmou que “a moratória da pena de morte com vistas a sua abolição contribui para fortalecer os direitos humanos e promover sociedades inclusivas”, mas não indicou nenhuma medida concreta para acabar, de fato, com essa figura jurídica no País.
Hoje, segundo o inciso XLVII do artigo 5o da Constituição Federal, a pena de morte pode ser aplicada no Brasil em caso de guerra declarada. Nesse cenário, mais de 30 tipos de crimes previstos pelo Código Penal Militar poderiam ser punidos com execução. O artigo pode ser mudado através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).
“Além de genérico, o discurso do Brasil provou que não há qualquer intenção, por parte do governo, de fazer a lição de casa”, afirma Asano. “É no mínimo incoerente defender que a abolição da pena de morte diante da ONU sem que isso seja seguido, no âmbito interno, por iniciativas para eliminar do ordenamento jurídico brasileiro essa pena que é uma afronta aos direitos humanos.”
Assista a íntegra do discurso do Brasil na ONU: