As propostas de congelamento de gastos apresentadas pelo governo federal como saída para a crise econômica “são inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do Brasil”. A avaliação é de Philip Alston, relator especial da ONU para pobreza extrema e direitos humanos.
Em comunicado de imprensa publicado na manhã de hoje (9/12), o especialista condenou com veemência a Proposta de Emenda à Constituição 55/16, que limita os reajustes com gastos sociais à inflação por 20 anos. O texto já foi aprovado na Câmara e em primeiro turno no Senado, que deve voltar a discutir a matéria na próxima terça-feira (13/12).
A crítica da ONU reforça a preocupação expressada ontem (9/12) pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA), que em comunicado sobre o final instou o Brasil a cumprir com os princípios de não retrocesso e de alocação progressiva de recursos para direitos sociais, econômicos e culturais.
Alston foi ainda mais enfático: “o efeito principal e inevitável da proposta de emenda constitucional elaborada para forçar um congelamento orçamentário como demonstração de prudência fiscal será o prejuízo aos mais pobres nas próximas décadas”, afirmou. “É completamente inapropriado congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social.”
Para ele, o cenário é agravado pela crise política, já que o projeto econômico do atual governo não foi referendado pelas urnas, e pela longa duração da proposta. “Essa é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”, afirmou.
O relator ainda explicou que, se aprovada, a PEC 55 “evidentemente viola as obrigações do Brasil de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”. Segundo esse tratado ratificado pelo país em 1992, qualquer medida para combater crises econômicas deve ser temporária, estritamente necessária e proporcional; não discriminatória; levar em conta todas as alternativas possíveis (inclusive medidas tributárias); e, por fim, ser submetida à participação efetiva e genuína das populações mais afetadas.
“A PEC 55 claramente não sobrevive a nenhum desses testes”, afirma Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas. “Esperamos que o alerta emitido hoje pela ONU mostre ao governo que o Brasil não passará incólume por esse processo. Estamos prestes a cometer um erro de proporções inéditas, com profundo impacto nos direitos sociais, e o governo federal e o Legislativo precisarão prestar contas à sociedade brasileira, mas também à comunidade internacional”, completa.