Em pronunciamento na abertura da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves fez um pronunciamento em defesa do governo Bolsonaro, ignorando por completo a guerra na Ucrânia.
Trazendo à tona pautas já conhecidas da agenda ultraconservadora da ministra, como a defesa da vida desde a concepção, o discurso torna ambígua a posição do Brasil neste que é um dos maiores conflitos militares da História recente, com graves implicações humanas, sociais e econômicas.
De acordo com Camila Asano, diretora de programas da Conectas, o discurso coloca a diplomacia brasileira em uma posição de ainda maior irrelevância internacional.
“Após a visita desastrosa de Bolsonaro ao presidente russo Vladimir Putin às vésperas do estalar da guerra, esperava-se um posicionamento inequívoco para a comunidade internacional, ainda mais considerando que Brasil votou a favor da resolução do Conselho de Segurança dias atrás”, afirma Asano. “Causa espanto que uma alta representante do governo ocupe a tribuna da ONU em meio a uma grave crise mundialpara fazer um discurso protocolar que responde apenas a uma agenda doméstica”, continua.
Asano aponta ainda incongruência no discurso da ministra, que usou a tribuna internacional para responder a uma nota do Subcomitê de Prevenção de Combate à Tortura da ONU, que em visita ao Brasil no início do mês exortou o país a cumprir com suas obrigações internacionais e abandonar sua decisão de desmantelamento do mecanismo nacional de prevenção e combate à tortura.
“A ministra afirma que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura estaria em pleno funcionamento, quando toda a sociedade civil acompanhou de perto as tentativas de desmonte e interferência no órgão durante a gestão Bolsonaro, inclusive com tentativa de exonerar seus peritos independentes e dificultar seu trabalho”, afirma Asano.
Como ex-membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a Conectas acompanhou de perto os problemas enfrentados pelo Mecanismo durante a gestão Bolsonaro. Leia aqui uma matéria que explica o histórico das tentativas de desmantelamento do órgão.
Como já era aguardado, a ministra Damares Alves mais uma vez defendeu a vida a partir da concepção, exaltando a aliança internacional conhecida como “Consenso de Genebra”.
Criado por Brasil e Estados Unidos, a iniciativa divulgada como um acordo internacional pela promoção da saúde das mulheres traz, na verdade, uma visão contrária a direitos sexuais e reprodutivo, sobretudo contrária ao aborto.
O acordo já foi abandonado pela gestão do presidente norte-americano Joe Biden, deixando o Brasil isolado junto de países ultraconservadores a respeito da agenda de gênero, como Rússia, Arábia Saudita, Uganda, Iraque e Hungria.
Em janeiro, artigo publicado na Folha de S.Paulo pela Conectas e pelo Observatório de Sexualidade e Política detalhou os problemas desta aliança. Leia o texto na íntegra aqui.