O Brasil foi o país que mais matou defensoras e defensores de direitos humanos e ambientais em 2016. Ao todo, foram registradas 49 mortes, de acordo com o relatório “Defensores da Terra” (tradução livre), divulgado nesta quinta-feira (13) pela ONG inglesa Global Witness, que investiga e denuncia abusos e violações de direitos humanos em todo o mundo. Em 2015, a ONG já apontava o Brasil como o país com maior número de mortes, com 50 casos registrados.
De acordo com o informe, 200 mortes foram documentadas em 24 países, o que representa um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior. O contexto brasileiro é abordado ao longo de um capítulo e dá destaque para o caso de Nilce de Souza, liderança do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). O corpo de Nilce foi encontrado em julho de 2016 no fundo do lago da Usina de Jirau, às margens do Rio Madeira, com os braços e mãos amarrados a pedras.
Leia o relatório na íntegra, em inglês ou em espanhol.
O documento alerta para o fato de que o número de mortes pode ser ainda maior, uma vez que há uma subnotificação de ocorrências, dado que a maior parte dos casos acontece em áreas rurais. Ainda assim, 2016 foi o ano em que os conflitos pela terra atingiram o seu ápice e a maior parte das mortes no Brasil está relacionada à expansão do agronegócio e à defesa das florestas contra a exploração ilegal de madeira.
No dia 4/7, o CBDDH (Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos) lançou o dossiê “Vidas em luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, que também denuncia as mortes e ameaças a ativistas. O levantamento aponta Rondônia como o Estado mais perigoso, com 19 assassinatos em 2016.
Leia a entrevista com Ben Leather, da campanha pelos defensores de terra e do meio ambiente da Global Witness:
Conectas – Como o enfraquecimento das políticas de proteção aos defensores de direitos humanos no Brasil impactou diretamente no aumento do número de assassinatos no último ano?
Ben Leather – O fato do Brasil ser o país que tem, consistentemente, o maior número de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo demonstra que a política nacional de proteção aos defensores de direitos humanos nunca foi implementada de maneira apropriada, em especial nas áreas mais remotas e também junto a trabalhadores rurais e comunidades indígenas. Com o rebaixamento das políticas de direitos humanos durante o governo Temer, esse cenário tende a piorar até que o Ministério de Direitos Humanos e o programa de proteção de defensores dos direitos humanos reconquistem o seu status de prioridade.
De acordo com o relatório, a indústria madeireira está diretamente ligada a 16 assassinatos e o nível de impunidade ainda é alto no país. Quais medidas o governo brasileiro deveria adotar para coibir este tipo de crime?BL– Primeiramente, deve-se fortalecer o monitoramento desta indústria e garantir a aplicação de sanções contra aqueles que violam as leis que regulam o setor madeireiro. Em segundo lugar, o orçamento da Funai [Fundação Nacional do Índio] deve ser recuperado e ampliado. Em terceiro lugar, a proposta de redefinir as fronteiras de terras indígenas deve ser abolida. E, por último, o governo deve garantir a proteção de todos os defensores que trabalham em questões relacionadas à indústria da madeira e que estão sob ameaça.
Como a Global Witness vê as ameaças de alteração na legislação ambiental brasileira, como é o caso dos projetos de lei que visam a alterar o licenciamento ambiental e as medidas que reduzem as unidades de conservação? Como tais alterações podem afetar os defensores e defensoras?
Qualquer política ou ação que torne mais fácil que empresas adquiram terras e as usem de maneira que gere impacto sobre o meio ambiente vai gerar conflito. Isso quer dizer que mais comunidades e mais defensores vão precisar se mobilizar para demandar seus direitos. E isso também quer dizer que empresas mais gananciosas e servidores corruptos vão procurar silenciar essas vozes quando elas se manifestarem.
Que papel as empresas privadas têm desempenhado nos conflitos que resultam em violência e mortes a defensores e defensoras e que medidas elas deveriam adotar para ajudar a reverter o cenário?
Mesmo que seja dever do Estado proteger os defensores, as empresas e investidores têm um importante papel nesse contexto. As leis internacionais obrigam que as empresas respeitem os direitos dos defensores, e há razões éticas e comerciais para que elas apoiem os defensores e garantam que eles exerçam o seu ativismo de maneira segura. Ninguém deveria investir em países e setores que estejam associados com ataques a defensores até que sejam estabelecidas garantias de que essas pessoas tenham a sua segurança assegurada.