Depois da professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, Deisy Ventura, questionar o governo brasileiro sobre os ataques ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) num vídeo publicado esta semana na internet, agora foi a vez de Flávia Piovesan, professora de Direitos Humanos e Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que também integra o Grupo de Trabalho da OEA cujo mandato é monitorar o Protocolo de San Salvador.
As duas acadêmicas – juntamente com a diretora de Programas da Conectas, Juana Kweitel – assinaram no dia 7 de agosto um artigo de opinião no jornal Folha de S. Paulo, alertando para os riscos de enfraquecimento do Sistema.
Neste vídeo, Flávia disse estar “preocupada com o movimento que visa a debilitação e o enfraquecimento” do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Segundo ela, o Brasil é um dos “protagonistas deste processo” que põe em risco uma instância fundamental de defesa dos direitos dos cidadãos do continente americano contra agressões de seus estados.
“Qual é exatamente a ambição do Brasil com esse projeto de reforma do Sistema? Será que o Brasil está calculando qual o real comprometimento do Sistema?”, pergunto Flávia. Segundo ela, a posição brasileira tem criado condições para que outros países – “que não são recordistas de respeito aos direitos humanos” – se valham dessa janela para “restringir a potencialidade, a capacidade do Sistema”.
Flávia também pediu que “se o Brasil defende o Sistema Interamericano, que o faça levantando a bandeira de um sistema independente, autônomo; e que respeite as decisões”.
Mudança de atitude
“O pós Belo Monte mostra uma atitude extremamente agressiva, de atacar o Sistema. É claro que o Brasil pode criticá-lo. Mas, se entrou no jogo internacional, há que cumpri-lo de boa fé”, disse a professora.
“Que a sua insatisfação (do Brasil) com relação a um caso não se transforme de forma perniciosa e perversa em destruição, em erosão de todo um sistema extremamente valioso, o mais importante sistema internacional de proteção de direitos humanos no caso brasileiro, no caso da nossa região”, pediu Flávia.
Ela lembrou ainda que a região tem uma “enorme gratidão pelo Sistema Interamericano, um sistema que salvou vidas, cumprindo a função extraordinária de democratizar a nossa região, na consolidação do Estado de Direito e do regime de direitos humanos”.
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A OEA foi fundada em 1948 para servir de foro multilateral de integração entre seus 35 países membros e recentemente tem estado sob fogo cerrado de alguns países. Um dos maiores problemas causados por este processo é o risco de enfraquecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, composto pela Comissão e pela Corte Interamericana. Esta é a instância responsável por promover e proteger os direitos humanos em nível regional, emitindo decisões acerca de cidadãos do continente americano que tenham tido seus direitos violados pelos Estados.
Em janeiro, o Conselho Permanente da OEA aprovou o informe final do Grupo de Trabalho Especial de Reflexão sobre o Funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e para o Fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Na ocasião, Conectas e diversas outras organizações da sociedade civil manifestaram publicamente sua preocupação já que várias das recomendações poderiam ser ponto de partida para o enfraquecimento do Sistema.
Na Assambleia Geral da OEA em Cochabamba, os Estados decidiram reabrir a discussão e o Conselho Permanente da OEA debate agora a implementação das recomendações do Grupo de Trabalho que se debruçou longamente sobre o tema. Uma Assembleia Extraordinária deve ser convocada para tratar deste assunto entre o fim de 2012 e começo de 2013.
Com base na Lei de Acesso à Informação, Conectas pediu acesso aos telegramas oficiais do Itamaraty que contivessem as orientações dadas por Brasília à sua missão diplomática na OEA. A intenção era saber qual a real posição do governo brasileiro neste processo de “enfraquecimento” do Sistema. As informações foram negadas e a organização cobra agora uma posição por meio da Controladoria Geral da União (CGU).
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“O Sistema Interamericano está sob ataque”, diz Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da USP
Conectas cobra posição clara do Brasil sobre debate acerca dos mecanismos regionais de proteção dos direitos humanos