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Roteiro robusto de requisitos da OCDE pode impulsionar reformas importantes no Brasil

Organização econômica divulgou “roadmap” com ações a serem cumpridas pelos países candidatos nas áreas ambiental, de direitos humanos e defesa dos povos indígenas

Sede da OCDE em Paris (Foto: Hervé Cortinat/ OECD)
Sede da OCDE em Paris (Foto: Hervé Cortinat/ OECD)

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) publicou nesta sexta-feira (10) um roteiro com requisitos e ações que deverão ser cumpridos pelo Brasil e por outros cinco países que estão no processo de acessão à organização econômica. Conhecido como “roadmap”, o documento lista uma série de pontos nas áreas de proteção do meio ambiente, de defensores dos direitos humanos e dos povos indígenas. Na avaliação da FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos), OCDE Watch e Conectas, organizações que acompanham o processo de perto, o documento é satisfatório e, se realmente for implementado, pode provocar mudanças positivas nas políticas ambientais e de direitos humanos no Brasil. 

Com a definição de metas e objetivos, o Brasil e os demais países devem demonstrar não apenas seu compromisso com os padrões da OCDE no papel, mas a partir do cumprimento efetivo de leis e políticas governamentais – bem como em conduta empresarial responsável. Embora este seja apenas o início de um longo processo de acessão, o roteiro é um passo ambicioso e incentiva os comitês da OCDE, os estados membros e o Brasil a colocarem a proteção do meio ambiente e o respeito pelos direitos humanos no centro da discussão. O documento, que tem uma abordagem mais baseada em princípios da OCDE do que os anteriores, mostra que os processos de acessão  podem impulsionar melhorias nas políticas e práticas nacionais.

“A divulgação deste documento é uma oportunidade importante para setores da sociedade brasileira preocupados com a pauta socioambiental e de direitos humanos atuarem na denúncia do desmonte de políticas e instrumentos governamentais das áreas ambiental e social, principalmente pelo fato de que a entrada na OCDE é uma bandeira do governo Bolsonaro. Se o Brasil realmente quer fazer parte da organização, é fundamental que respeite os direitos estabelecidos em diversas leis e tratados em vigor no país”, afirma Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas.  

Apesar do Brasil ter demonstrado interesse em cumprir com os valores da OCDE na defesa do Estado de direito, proteção dos direitos humanos e sustentabilidade ambiental, o país ainda tem grandes lacunas de governanças. Como aponta pesquisa recente da Conectas, FIDH e OECD Watch o governo brasileiro deve fazer mudanças significativas na sua postura para, de fato, garantir a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Embora o Brasil  tenha aderido a 103 dos 251 instrumentos normativos da OCDE, o próximo passo é avaliar a conformidade do país com os padrões e princípios da entidade sediada em Paris, França. 

Veja alguns pontos do roteiro dos  países que estão no processo de acessão e as barreiras que o Brasil apresenta para cumpri-los, de acordo com organizações da sociedade civil:  

  • “Garantir estratégias ambientais e climáticas eficazes e ambiciosas que demonstrem uma implementação real e sem retrocessos, incluindo o investimento na resiliência e adaptação climática como parte da agenda nacional de desenvolvimento”. O governo brasileiro não demonstrou compromisso com a agenda climática. Desde a adoção do Acordo de Paris em 2015, as emissões líquidas do país aumentaram 12%. Ainda mais alarmante, desde a promulgação da lei climática (Lei nº 12.187/2009), o país aumentou suas emissões em mais de um quarto.
  • “Adotar políticas para deter e reverter a perda de biodiversidade, desmatamento e degradação da terra, respeitando e efetivando os direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas”. Em 2019 e 2020, as taxas de desmatamento no Brasil atingiram as máximas da década. Em comparação com 2018-2019, as taxas de desmatamento dentro de áreas protegidas aumentaram mais de 40% em 2019-2020. Além disso, cerca de 94% do desmatamento nos últimos dois anos foi ilegal. Os incêndios florestais também aumentaram na Amazônia. Em outras áreas, a situação também preocupa. Só em 2020, houve queimadas em mais de 30% do Pantanal brasileiro, causando imensa perda de biodiversidade.
  • “Garantir a aplicação efetiva das leis ambientais, fortalecendo a capacidade das agências relevantes e garantindo a participação da sociedade civil”. A aplicação da legislação ambiental no Brasil é deficiente há muito tempo. Importantes órgãos de proteção ambiental têm sofrido escassez de recursos, limitações jurisdicionais e mudanças arbitrárias em seus conselhos de administração, inibindo sua independência e eficácia.
  • Combater a impunidade dos crimes ambientais e garantir que a violência e as ameaças contra os defensores do Meio Ambiente sejam rigorosamente investigadas e processadas. O Brasil continua sendo um dos países mais perigosos  para defensores da terra e do meio ambiente no mundo. Em 2020, o Relator Especial da ONU sobre a Situação dos Defensores de Direitos Humanos informou que 174 defensores foram mortos no país no período entre 2015 e 2019.
  • Implementar requisitos para avaliações ambientais com medidas de transparência e participação significativa, prévia e contínua de comunidades vulneráveis, indígenas e locais. No Brasil, os direitos dos povos indígenas foram ameaçados devido à descontinuidade de centenas de conselhos sociais e colegiados que possibilitam a participação popular. Pelo menos três desses conselhos ou diretorias ligados aos povos indígenas foram fechados pelo governo de Jair Bolsonaro. Da mesma forma, representantes indígenas perderam seus assentos no Conselho Nacional do Meio Ambiente.
  • “Demonstrar evidências de compromisso e medidas efetivas para promover a conduta empresarial responsável, incluindo especificamente no que diz respeito ao respeito aos direitos dos povos indígenas”. Importante destacar que para além da responsabilidade das empresas, o governo precisa fortalecer a proteção dos direitos trabalhistas e sociais. A Reforma Trabalhista não cumpriu com as promessas de mais empregos e melhores condições de trabalho. Além disso, houve uma série de ataques a instrumentos e instituições que combatem o trabalho análogo ao escravo. Também houve cortes no orçamento de diversas políticas públicas que promovem o bem estar social.

Espera-se que mais de 20 comitês da OCDE estejam envolvidos na revisão técnica do roteiro. Em seguida, esses órgãos devem fornecer um parecer oficial ao Conselho da OCDE – o órgão decisório da organização – sobre o preparo do Brasil para ingressar na OCDE. A análise deve ter como objetivo defender os mais altos padrões de proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente – e pressionar o Brasil a avançar nas questões que não foram abordadas até agora, incluindo medidas contra o trabalho forçado, direitos dos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades rurais e tradicionais. Ainda que o “roadmap” seja amplo, espera-se que os comitês da OCDE adotem um entendimento completo, de modo a garantir a implementação adequada dos mais altos padrões internacionais, interpretando qualquer ambiguidade sob o princípio pro persona

Para FIDH, Conectas e OECD Watch, é essencial que o processo de revisão dos comitês seja mais transparente e inclusivo possível. Assim, as entidades instam os comitês a abrirem espaços de consulta e compartilhamento de informações com todos os interessados ​​durante todo o processo de acessão.


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