Mais de 3 meses se passaram até que o Ministério da Justiça se manifestasse sobre a maior crise já enfrentada pelos haitianos que chegam ao Brasil pelo Acre e que agora, depois da decisão de fechar o galpão que lhes servia de abrigo na cidade de Brasileia, estão sendo encaminhados para Rio Branco antes de seguirem viagem para outros estados.
O atraso, no entanto, não é o único problema da nota oficial publicada no dia 22 pelo MJ: ela não dá qualquer resposta aos novos desafios impostos aos imigrantes, como a falta de estrutura de acolhida nos estados que passaram a recebê-los e as persistentes deficiências estruturais de Brasileia, que segue como principal ponto de entrada para os haitianos que chegam ao País sem o visto humanitário.
Repetindo o que parece ser um o discurso de que as responsabilidades do governo federal na crise se limitam à transferência de recursos, o ministério afirma que “mais de R$ 4,2 milhões foram repassados para os serviços de saúde, além de garantir documentação básica de forma simplificada e imediata”.
“Desde o início do fluxo de haitianos para o Brasil, o governo federal tem se escondido atrás do pacto federativo para evitar uma atribuição que é sua, segundo a Constituição”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “A nota do MJ também reflete a descoordenação e esquivo do governo federal. Conectas reitera, há mais de oito meses, que o caso possui dimensões nacionais, escancarando as falhas da política migratória brasileira, e só pode ser enfrentado com a atuação direta do governo federal para uma acolhida efetivamente humanitária. Ainda, é necessária a ampliação da política de concessão de vistos humanitários ou mesmo a eliminação de exigência do visto e ações coordenadas com outros países da região”.
No início de abril, quando o fechamento do galpão de Brasileia foi anunciado, Conectas enviou questionamento formal via carta à Secretaria Nacional de Justiça do MJ pedindo explicações sobre a existência de um plano coordenado com o governo do Acre, sobre a possibilidade de instalação de um abrigo permanente em Rio Branco, sobre a assistência dada aos haitianos que chegam a Brasiléia e, ainda, sobre a política de concessão de vistos. A organização não recebeu resposta até hoje – e a crise continua.
Em Rio Branco, segundo parceiros locais, o centro de exposições que tem dado acolhida temporária para os imigrantes já alberga ao menos 450 pessoas. O local será palco de uma grande exposição em julho, o que obrigará a administração local a pensar, desde já, em soluções duráveis.
Já em Brasileia, ainda conforme o relato de parceiros locais, os imigrantes que atravessam a fronteira encontram-se desamparados depois de percorrem quase 6 mil quilômetros para chegar ao Brasil. Por conta da falta de dinheiro, informações e estrutura, muitos estão dormindo nas ruas da cidade.
São Paulo
Grande parte dos haitianos que deixaram Brasileia nas últimas semanas foram trazidos a São Paulo. Apesar de receber fluxos constantes de imigrantes, a cidade conta com uma estrutura de acolhida precária e insuficiente. A chegada desses novos grupos pressionou ainda mais o sistema, levando a SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania) a criticar, em nota, a decisão do governo do Acre e o imobilismo do MJ.
“É necessário que o Ministério da Justiça dê condições para que esses imigrantes, beneficiários de um visto humanitário concedido pelo País, sejam inseridos na sociedade com dignidade e respeito”, diz a nota. “Além disso, espera-se que tomem medidas cabíveis com relação ao governo do Acre diante destas ações com esta população já tão sofrida.”
A SMDHC prevê que o total de migrantes nestas condições alcance 800 pessoas e pede “uma política mais ampla para as migrações no Brasil, que envolva os três níveis da federação e seja capaz de elaborar políticas públicas permanentes”.
Auge da crise
A cheia dos rios da região deixou o Acre isolado nos últimos meses, impossibilitando o deslocamento dos imigrantes para outras regiões e aprofundando a já degradante situação do galpão que lhes servia de abrigo.
Quando esteve no abrigo, em agosto de 2013, Conectas constatou as péssimas condições de acolhida. O espaço, com capacidade informada para 200 pessoas, era então dividido por 800. Apenas 10 latrinas e 8 chuveiros atendiam os imigrantes. Não havia distribuição de sabão ou pasta de dente e o esgoto corria a céu aberto. O hospital local dizia que 90% dos pacientes provenientes do abrigo tinham diarreia. A organização denunciou a situação e recebeu, do governo federal, a promessa de uma força tarefa. Nada foi feito. O caso foi levado à CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.