“O futuro verde do Brasil já começou”, anunciou o ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, durante a COP-26, em novembro, destacando também o objetivo de reduzir 50% das emissões de gases poluentes até 2030 e o fim do desmatamento ilegal até 2028. Dois dias depois da fala, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou que o Brasil registrou um novo recorde de áreas desflorestadas.
Os números divulgados mostraram que, em outubro, 877 km2 da Amazônia Legal estavam sob alerta de desmatamento. Isso é 5% maior do que a marca do mesmo mês em 2020, o nível mais alto para o período, desde que os dados começaram a ser divulgados, em 2015.
A distância entre o discurso e a prática do governo revela parte do difícil trajeto que o Brasil traça rumo à entrada na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — desejo que o país formalizou em 2017.
Formada por 36 países, a OCDE auxilia no desenvolvimento de seus países-membros e fomenta ações voltadas para a estabilidade financeira e a melhoria de indicadores sociais. Na prática, fazer parte da organização é como receber um “selo de qualidade” na economia, aumentando as chances de atrair investidores, por exemplo. Não à toa é a maior aposta do governo Jair Bolsonaro para a política externa.
Mas para ser aceito como um membro pleno é preciso que o Brasil demonstre capacidade para se adequar às boas práticas de governança da organização.
Em julho, o Comitê de Políticas Ambientais da OCDE publicou um relatório, traduzido agora pela Conectas, que mostra o grau de alinhamento do Brasil a alguns de seus instrumentos legais. Apesar do país ainda não ter iniciado o processo de entrada, o documento poderá servir como base para o futuro processo. Este documento trata de uma avaliação do que o país fez desde 2015, quando a organização publicou um outro relatório com recomendações ao Brasil.
O relatório critica, sobretudo, as políticas que se mostram em profundo desalinho com as orientações da OCDE, sendo o recorde de desmatamento em outubro apenas um efeito dessas políticas. Um dos destaques do documento são as críticas ao Projeto de Lei nº 2159/2021, conhecido como PL do Licenciamento Ambiental ou “PL da Boiada”. O apelido faz referência a um dos episódios mais conhecidos da reunião ministerial de abril de 2020, na qual o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sugere aproveitar o foco da mídia na pandemia para “ir passando a boiada”, flexibilizando o regramento ambiental.
Para os especialistas da OCDE, a proposta legislativa não corrige as falhas identificadas no atual processo de licenciamento ambiental e, na prática, acaba com a obrigatoriedade desse importante instrumento para a política socioambiental do país. O texto do PL permite, entre outras coisas, a licença autodeclaratória, flexibilização das punições e restrição da participação da sociedade civil no processo de licenciamento.
O PL, que está sendo analisado pelo Senado, sofre influência da Bancada Ruralista para ser aprovado o quanto antes. “Caso seja aprovado, o PL vai aumentar a insegurança jurídica, o risco de novos crimes socioambientais como de Mariana e Brumadinho (MG) e o desmatamento, afastando o Brasil do cumprimento das metas do tratado internacional sobre clima, o Acordo de Paris”, destaca Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas.
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Em maio, mais de 60 organizações da sociedade civil enviaram uma carta ao novo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, alertando que um possível início do processo de acessão do Brasil à entidade “não deve, de maneira alguma, ser uma chancela à condução das políticas socioambientais e de direitos humanos do atual governo brasileiro”.
Segundo o relatório da OCDE, o país precisa ser firme nos objetivos para orientar suas ações ambientais. “É importante ressaltar que o Brasil fez progressos limitados na implementação das recomendações da ADA (Avaliação de Desempenho Ambiental) de 2015. Portanto, com algumas exceções, essas recomendações permanecem válidas. Isso significa que o governo federal do Brasil precisa fazer com que seus órgãos executivos, bem como autoridades estaduais e municipais, se comprometam mais para acelerar os avanços na implementação das boas práticas da OCDE no país.”
No mesmo discurso em que anunciou as novas metas do Brasil, na COP-26, o ministro Joaquim Leite declarou ainda que “onde existe muita floresta existe muita pobreza”, mostrando que o entendimento do governo sobre florestas, riqueza e pobreza ainda pode estar muito distante dos instrumentos legais da OCDE.