Relator da ONU sobre escravidão contemporânea, Tomoya Obokata, participa de coletiva no Rio de Janeiro.
Foto: UNIC Rio/Juliana Viegas
O legado da escravidão e do colonialismo, somado a interesses empresariais, segue alimentando formas contemporâneas de escravidão no Brasil. A conclusão é de Tomoya Obokata, Relator Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, ao final de visita oficial ao país.
Entre os dias 18 e 29 de agosto, Obokata percorreu diferentes estados brasileiros. Além de Brasília, esteve em São Paulo, Marabá, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde se reuniu com autoridades governamentais, representantes da sociedade civil, trabalhadores de diversos setores, além de vítimas e sobreviventes de formas contemporâneas de escravidão. O Relator agradeceu ao Governo Federal pelo convite e pela cooperação durante toda a visita.
Segundo o especialista, altos níveis de exploração do trabalho, exploração sexual e criminal, servidão doméstica, trabalho infantil e casamento infantil continuam presentes no Brasil, apesar da existência de marcos legislativos, políticos e institucionais considerados robustos.
“Estou profundamente preocupado com os relatos compartilhados comigo, particularmente por povos indígenas, pessoas afrodescendentes – incluindo comunidades quilombolas –, mulheres que trabalham no setor doméstico, bem como migrantes e refugiados”, declarou Obokata.
Para o Relator, as manifestações atuais da escravidão estão enraizadas no comércio transatlântico de africanos escravizados e no colonialismo, que normalizaram a exploração de populações historicamente marginalizadas.
Ele destacou que muitos trabalhadores, inclusive crianças, ficam presos a um ciclo vicioso de pobreza intergeracional. “Quando abusos de direitos humanos são denunciados, trabalhadores e defensores sofrem ameaças de empregadores e outros atores, o que reforça a impunidade e dificulta o acesso à justiça e à reparação”, afirmou.
Obokata também relacionou as formas contemporâneas de escravidão à destruição ambiental na Amazônia e em outras regiões, impulsionada por grilagem de terras, exploração madeireira, mineração, produção de carvão vegetal, pecuária, expansão do agronegócio e tráfico de drogas. Esses fatores, segundo ele, resultam em graves violações dos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que acabam forçados a migrar e a aceitar trabalhos exploratórios.
“Os setores mais afetados incluem a agricultura, como o café e a cana-de-açúcar, além da construção civil, indústria têxtil, hotelaria, serviços, pecuária, exploração madeireira, mineração e produção de carvão vegetal”, afirmou o Relator Especial.
Ele ressaltou ainda que a falta de alternativas obriga trabalhadores a se deslocarem pelo país para atividades sazonais: “É urgente garantir condições dignas de vida e de trabalho em áreas rurais e remotas. Isso poderia evitar a necessidade de trabalhadores migrarem internamente para participar da colheita do café e outros produtos em condições de exploração, um modelo que também tem um alto custo para suas famílias.”
O Relator reconheceu políticas brasileiras importantes, como a “lista suja” que responsabiliza empresas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. Também citou iniciativas setoriais que buscam promover compromissos voluntários de empresas com o trabalho digno.
“Há exemplos positivos, como o Pacto Nacional do Café, o Pacto Nacional pelo Trabalho Digno na Agricultura e pactos regionais na indústria do vinho, que visam promover o diálogo social entre empresas e trabalhadores. No entanto, esses instrumentos ainda precisam de maior adesão e de mecanismos robustos para monitorar sua implementação”, alertou.
Apesar dos avanços, o Relator apontou falhas significativas na aplicação das medidas, sobretudo nos níveis estadual e municipal, além de práticas de corrupção que permitem a empresas burlar a lei.
“O Brasil precisa enfrentar seu legado de escravidão e colonialismo, reduzindo profundas desigualdades raciais, socioeconômicas e geográficas, redistribuindo recursos de forma justa e protegendo os direitos humanos daqueles que historicamente mais sofreram”, concluiu. O relatório completo da visita será apresentado por Obokata ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2025.