Nessa semana, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) se debruçou sobre dois desafios latentes para a pauta migratória nas Américas: a detenção de migrantes e a necessidade de promover formas de proteção a pessoas que migram por razões humanitárias decorrentes, por exemplo, de desastres naturais.
Ao se pronunciar nesta quinta (30/10) durante audiência sobre detenção de migrantes promovida na sede da CIDH em Washington DC, o Comissionado Felipe Gonzáles destacou que “esta audiência é muito importante pois se refere a um dos problemas centrais em relação a situação dos migrantes no continente”. Gonzáles, que ocupa a relatoria sobre Direitos dos Migrantes, participou da audiência “Detenções migratórias e medidas alternativas na América”, promovida por cerca de 160 ONGs de diversos países do continente. Conectas foi uma das entidades que solicitou a audiência e Raísa Cetra, assessora do Programa de Política Externa, participou da sessão apresentando preocupações sobre o tema no Brasil e demais países da região.
“Nesta audiência foi possível compreendemos melhor o panorama a respeito da situação dos migrantes no continente e suas principais alternativas à detenção”, concluiu Gonzáles.
Apesar de as normas internacionais de direitos humanos estabelecerem que a detenção de imigrantes deve ser uma medida excepcional e usada como último recurso, muitos países ainda adotam a medida como regra.
O Brasil é um dos países que não aplica a detenção como regra. Em vez de prender para deportar, o País utiliza medidas alternativas à detenção, como a notificação para a saída voluntária. A prática positiva, porém, não está respaldada pela atual legislação, que prevê a possibilidade de detenção do migrante em situação irregular para fins de deportação.
“Queremos que o Brasil continue sendo uma boa prática. E mais, queremos que o País seja uma referência em matéria de migração no mundo. Isso, porém, será impossível enquanto mantivermos o Estatuto do Estrangeiro, um legado da ditadura militar. Enquanto ele estiver vigente, haverá uma constante ameaça de retrocessos no campo da detenção de migrantes. É urgente a adoção de uma nova lei migratória pautada no respeito aos direitos humanos”, diz Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas.
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Um sinal de retrocesso ocorre no aeroporto internacional de Guarulhos, onde migrantes sem as devidas autorizações de entrada estão sendo detidos administrativamente de forma arbitrária sem ter seus direitos respeitados. Após a detenção, muitos migrantes, incluindo mulheres, grávidas e crianças de colo, sem a devida proteção internacional, são enviados de volta ao país de origem.
“A situação no Aeroporto de Guarulhos é extremamente grave. Pessoas que fugiram de seu país de origem e temem ser mortas caso retornem permanecem em situação desumana por dias, semanas ou meses e não conseguem acesso ao procedimento de solicitação de refúgio. Elas são devolvidas, em evidente violação do princípio de non refoulement”, afirma Vivian Holzhacker, advogada do Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo. “Esperamos que o Estado brasileiro adote medidas que possibilitem um olhar diferenciado para pessoas com necessidade de proteção internacional nas áreas de fronteira, portos e aeroportos”, conclui Vivian.
Cartagena 30
O processo estratégico Cartagena+30, no qual os países da América Latina e Caribe, celebram avanços na proteção a refugiados e analisam os desafios que ainda precisam ser superados, foi tema na audiência “Situação de direitos humanos dos refugiados na América”, realizada segunda (27/10) também em Washington DC.
Em dezembro, quando o processo chega a sua etapa final – em uma conferência de líderes realizada no Brasil -, as organizações cobrarão dos Estados atenção a novas demandas de proteção internacional aos que deixam seus países no continente por razões humanitárias como desastres naturais e que não são considerados refugiados atualmente pelos países da região.
A onda migratória de haitianos para o Brasil devido ao terremoto de 2010 no país caribenho evidenciou esta necessidade. Na ocasião, o governo brasileiro apresentou uma importante medida para avançar na proteção internacional ao conceder visto humanitário aos haitianos.
Mas o número de vistos dados tem sido muito menor do que a demanda, o que tem sido foi criticado por organizações sociais. Para as entidades, as falhas da medida brasileira, com caráter não permanente e excepcional, mostram a necessidade de que os países da região estabeleçam medidas como essa de maneira clara e antes de que as crises se tornem agudas.
“Novamente temos um exemplo de que o Brasil precisa de uma nova lei de migrações que dê conta de situações como a dos haitianos, garantindo uma acolhida apropriada aos que chegam fugidos de crises humanitárias. Precisamos de um procedimento claro, e não de improvisos como foi no caso dos haitianos”, afirma Camila.
Assista a audiência na íntegra: