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28/05/2014

Quando a sociedade pauta a chancelaria

ONGs pressionam diplomatas a respeitar direitos humanos na política externa



Em 2009, o Brasil abriu uma embaixada no país mais fechado do mundo, a Coreia do Norte. No mesmo ano, não quis sequer “manifestar preocupação” em relação ao regime norte-coreano. A chancelaria simplesmente se absteve em votações de resoluções do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, e da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Mais do que perplexidade, a inação brasileira provocou indignação em todos os que conhecem o histórico de perseguição, censura, tortura, assassinatos e mais uma extensa lista de violações de direitos humanos que caracteriza o brutal regime atualmente encabeçado pelo ditador Kim Jong-un.

Até poucos anos atrás, os diplomatas brasileiros tomariam decisões chocantes como esta, sem ter de lidar com pressões da sociedade civil. Sua política externa era, então, assunto exclusivamente de governo. Mas uma mudança radical ocorrida a partir dos primeiros anos do século 21 colocou os cidadãos brasileiros mais perto do processo de tomada de decisão do poderoso Itamaraty – nome pelo qual é conhecido o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Organizações da sociedade civil começaram a questionar a crescente incoerência entre os valores defendidos internamente pelo Brasil e suas as ações na seara internacional. Longe do escrutínio público, fora do radar da imprensa e blindada por um ar de superioridade e opacidade, a chancelaria costumava tomar decisões com base em vantagens econômicas e políticas, deixando em segundo plano as variáveis de direitos humanos – mesmo que isso contrariasse a própria Constituição.

“Conectas começou a trabalhar na área de política externa em 2005”, conta Camila Asano, coordenadora de Política Externa da organização fundada quatro anos antes, em São Paulo. Ela conta que à época, política externa “não era alvo comum de atuação de organizações brasileiras, sujeitas a pouquíssimos mecanismos de escrutínio da sociedade civil”.

Foi essa mudança que permitiu à Conectas dizer que o Brasil violava sua própria Constituição ao se abster, em 2009, sobre a Coreia do Norte. A organização pediu que o Ministério Público Federal exigisse do Itamaraty uma explicação sobre a abstenção em ambos fóruns da ONU. A resposta não tardou em chegar e, como previsto, revelava uma aposta equivocada. “O Itamaraty afirmou que o país acreditava na criação de um ambiente político-diplomático capaz de permitir que a Coreia do Norte expressasse voluntariamente seu compromisso com os direitos humanos e cooperar com a ONU”, lembra Camila. Não foi o que aconteceu. E a chancelaria brasileira se viu forçada a condenar o regime em 2010 e 2011, a partir de quando o país deixaria de ser membro do Conselho.

Esta crescente pressão da sociedade civil sobre a política externa é objeto de um artigo inédito publicado por Camila Asano na #SUR19 – última edição da Revista SUR, publicada pela Conectas em português, inglês e espanhol, com um dossiê temático sobre Política Externa e Direitos Humanos.

Camila explora as incoerências da política externa dos países emergentes e relata a experiência da Conectas em atuar para que os direitos humanos sejam um elemento preponderante na agenda não apenas do Brasil, mas também de países com papel semelhante, como África do Sul, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Turquia, por meio do trabalho em parceria com outras organizações.

“É crucial que a sociedade civil de cada uma dessas potências emergentes cobre transparência e prestação de contas de seus governos, além de coerência entre os compromissos assumidos em matéria de direitos humanos e as decisões e posições adotadas no plano internacional”, diz o artigo.

Índia e África do Sul

Além da experiência brasileira, a #SUR19 traz também uma entrevista com ativistas da Índia e da África do Sul que relatam suas próprias experiências no monitoramento da política externa de seus países em direitos humanos.

Todo o conteúdo da SUR pode ser acessado no novo site da revista e na versão impressa, que circula a partir de maio. A Revista SUR é editada e publicada pela Conectas há 10 anos, em três idiomas e com distribuição para mais de cem países. Todas as 18 edições anteriores estão disponíveis on line.

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