O Estado brasileiro e o governo do Maranhão vêm descumprindo medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA que exige a redução imediata da superpopulação carcerária de Pedrinhas. Atualmente, o complexo abriga 3.012 presos em apenas 1.945 vagas, segundo dados fornecidos pela Sejap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) em 3 de dezembro de 2015. Os dados mostram que a população de Pedrinhas supera sua capacidade em 55%. A redução da superlotação e o desencarceramento também são metas do Plano de Ação de Pacificação das Prisões de São Luís, apresentado pelo Estado como saída para estancar as causas que motivaram a crise de violência em 2013. Claramente, estes objetivos estão longe de serem alcançados. De acordo com os mais recentes levantamentos do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, o Estado do Maranhão aumentou sua população carcerária em 31,6% entre 2007 e 2013, com leve redução de 6,1% em 2014.
Crescimento da população carcerária no Maranhão
O déficit de vagas em todo o sistema prisional maranhense cresceu 32,5% entre 2007 e 2014, chegando a 1.049 presos excedentes.
Déficit de vagas no sistema prisional maranhense
Os dados do Ministério da Justiça também apontam que 71,7% dos presos no Maranhão são negros, 34% não concluíram o ensino fundamental e 38,9% têm idade entre 18 e 24 anos. Apesar de a Sejap não fornecer dados específicos sobre cada uma das unidades do complexo, desde a primeira visita realizada pelos representantes das organizações, é possível constatar que o perfil de seus presos não foge à regra que vigora nos demais presídios do Estado e do País. Durante as seis visitas realizadas ao longo de 2014 e 2015, os representantes das organizações também constataram em todas as unidades inspecionadas um alarmante número de presos ainda sem julgamento. Os dados do Depen mostram que a taxa de presos provisórios no Maranhão (66,4%) é uma das mais altas do país, ultrapassando a já preocupante média nacional (41%).
Evolução da taxa de presos provisórios
Como agravante, a grande maioria dos presos à espera de julgamento está encarcerada nas mesmas celas dos detentos já sentenciados, configurando um claro desrespeito às diretrizes da LEP (Lei de Execução Penal) e às Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da ONU, apelidadas de “Regras de Mandela”. O juiz titular da 2ª Vara de Execuções Penais de São Luis, Fernando Mendonça, concorda que, com os estabelecimentos prisionais dominados por facções, é importante separar a pessoa que cometeu crime grave, ou de elevada periculosidade, daquelas que praticaram delitos ocasionais ou episódicos. Mendonça foi um dos responsáveis pela implantação das audiências de custódia no Maranhão, na qual o suspeito, autuado em flagrante, deve ser apresentado a um juiz plantonista em até 48 horas.
“As audiências de custódia são importantes para evitar prisões provisórias desnecessárias, desafogando o sistema prisional, e prevenir e investigar casos de tortura ou maus-tratos no momento da detenção. Porém, precisamos nos certificar de como e se este processo está realmente acontecendo em São Luís”, ressalta Josiane Gamba, representante da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
Na teoria, a Justiça maranhense realiza o procedimento desde setembro de 2014 – foi o primeiro Estado no Brasil a adotá-lo, antes mesmo da implantação do projeto-piloto do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em São Paulo. O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, equipe composta por 11 peritos em 2013 para enfrentar violações em locais de privação de liberdade, afirma ter sido informado sobre o atendimento de mil pessoas em audiências de custódia em São Luís em 2015. Destas, 49% teriam recebido liberdade provisória.
Escolaridade da população carcerária maranhense
A grande maioria dos presos ouvidos pelos representantes das organizações peticionárias, no entanto, afirma nunca ter tido contato com juiz ou defensor público. Segundo informações recolhidas por estas entidades, alguns juízes maranhenses consideram a audiência de custódia desnecessária ou a realizam sem a presença do preso. São as chamadas “audiências fantasmas”. Já a falta de atendimento jurídico, explica a defensora pública geral, Mariana Albano de Almeida, ocorre devido ao baixo número de profissionais para atender uma grande população carcerária e em constante crescimento.
“Atualmente temos apenas 130 defensores em atuação para uma população prisional de 6 mil detentos em todo o Estado. São somente 12 defensores para atender 3 mil presos no complexo de Pedrinhas”, explica Almeida. Sem recursos para contratar um advogado particular, estas pessoas permanecem privadas de acesso adequado à Justiça. Algumas pessoas continuam presas mesmo após terem cumprido a pena e outras estão detidas há meses sem um julgamento definitivo.
Perfil racial da população carcerária maranhense
Neste contexto, os suspeitos detidos em flagrante, sem apresentação ao juiz ou assistência jurídica, são encaminhados ao Centro de Classificação, Observação, Criminologia e Triagem do Sistema Prisional. Conhecida como “Triagem”, a unidade é a porta de entrada para o complexo de Pedrinhas. Segundo a Sejap, a Triagem registra a entrada de 200 a 300 detentos por mês. O tempo máximo para permanência na unidade seria de 30 dias, porém muitos presos relatam estar lá há mais tempo. É na Triagem onde acontece a separação dos presos segundo sua facção: a distribuição dos detentos por cela depende do grupo criminoso ao qual o indivíduo pertence ou que precisa passar a integrar para garantir sua sobrevivência.
Média de idade da população carcerária maranhense
Os internos da Triagem são proibidos de receber visitas de familiares – uma violação à LEP, que estabelece o direito do preso, seja provisório ou condenado, de ter visita de parentes e amigos nos dias determinados para este fim. Na unidade também não é permitido o banho de sol, outra transgressão à Lei de Execução Penal e às Regras de Mandela. Respectivamente, as normas apontam que é preciso haver “proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação” e que “todo preso que não desempenhe um trabalho ao ar livre disporá, se as condições meteorológicas permitirem, de ao menos uma hora ao dia de exercício físico adequado ao ar livre”.