Um mês depois do maior massacre nos presídios brasileiros desde a invasão da Casa de Detenção do Carandiru, em 1992, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA (Organização dos Estados Americanos), emitiu resolução inédita aglutinando quatro casos que já são acompanhados pelo tribunal através de medidas provisórias: complexo do Curado, em Pernambuco, complexo de Pedrinhas, no Maranhão, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro, e Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo.
A medida não tem precedente na história da Corte. Para os juízes, há indícios de que as circunstâncias nesses locais “não apenas tornaria impraticáveis os padrões mínimos” internacionais para o tratamento de presos, “mas configurariam possíveis penas cruéis, desumanas e degradantes, violadoras da Convenção Americana de Direitos Humanos”.
O documento cobra do governo brasileiro resposta a 52 perguntas sobre a situação do sistema prisional do país, ressaltando dados específicos das unidades acompanhadas, e a indicação de medidas concretas adotadas em 11 áreas para evitar violações de direitos humanos nos presídios. Também comunica sobre a visita dos juízes da Corte ao país nas próximas semanas. A missão antecederia uma audiência sobre o tema, marcada para maio na Costa Rica, onde funciona a sede do tribunal.
“A distância geográfica entre os estabelecimentos penitenciários cujas condições são objetos de medidas provisórias e seu pertencimento a diferentes regiões do país indicaria que se trata de um fenômeno de maior extensão do que os quatro casos trazidos a esta Corte, o que poderia ser um indício de eventual generalização de um problema estrutural de âmbito nacional do sistema penitenciário”, afirma trecho da resolução.
Segundo organizações de direitos humanos que acompanham os casos em tramitação na Corte, trata-se de um reconhecimento explícito de que as violações de direitos humanos nos presídios brasileiras são estruturais e sistemáticas.
“Está claro que não podemos falar em crise do sistema prisional, mas em falência crônica – e a decisão da OEA de criar esse ‘supercaso’ respalda e reforça esse entendimento”, afirma Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas. Ao lado da Justiça Global e da SMDH (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos), a entidade é co-peticionária no caso do complexo de Pedrinhas.
“A resolução é um alarme que não pode ser ignorado pelo governo brasileiro. Se forem devidamente respondidas, como esperamos que sejam, essas perguntas feitas ao país vão ajudar a montar talvez a fotografia mais precisa que já tivemos sobre o nosso sistema prisional”, completa.
O governo tem até o dia 31/3 para dar um retorno às 63 perguntas da Corte. Depois, as organizações que atuam como peticionárias nos três casos terão duas semanas para submeter contrainformes.
Entenda o que acontece em cada um dos presídios que integram o “supercaso”: