Organizações da sociedade civil e membros da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados cobraram do governo brasileiro um posicionamento em relação às 246 recomendações recebidas no âmbito do 3o. Ciclo da RPU (Revisão Periódica Universal). O Brasil tem até dia 25/8 para responder às Nações Unidas sobre quais recomendações serão adotadas, rejeitadas ou acatadas parcialmente.
As falas dos representantes da sociedade civil foram marcadas pela indignação com os constantes ataques do governo em favor da retirada de direitos que afetam a população, em especial os grupos minoritários. As intervenções foram no sentido de contextualizar as recomendações e sugerir encaminhamentos.
A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Deborah Duprat, argumentou que o país vive um quadro de sucessivas violações de direitos que impactam diretamente na erradicação da pobreza e redução das desigualdades. “O cenário no Brasil é absolutamente preocupante. Não temos como negar os retrocessos e, portanto, as recomendações no âmbito da RPU são de acolhimento obrigatório”, defendeu a procuradora. Duprat lembrou também que a Constituição brasileira endossa a RPU “na medida em que as nossas relações internacionais são pautadas primordialmente pelo respeito e desenvolvimento dos direitos humanos”.
A coordenadora de política externa da Conectas, Camila Asano, chamou a atenção para as recomendações que falam sobre a ratificação do Tratado de Comércio de Armas e também para a efetivação das audiências de custódia. “Nós precisamos que essas audiências de custódia aconteçam em todas cidades do Brasil, não só nas capitais “, defendeu Asano. Ela argumentou que essas audiências foram criadas com o intuito de diminuir o índice de violência no ato da prisão e também contribuir para a redução do encarceramento em massa no sistema prisional brasileiro, mas ainda não atingiram esses objetivos de forma satisfatória e, por isso, merecem ser vistas com atenção pelo governo.
Outros representantes da sociedade civil tomaram a palavra para trazer à tona diferentes temas tratados na RPU. A Revisão é um instrumento em que países-membros da ONU sugerem medidas para a efetivação de direitos no país sabatinado. Letalidade das forças de segurança, violência policial em protestos e o congelamento das contas públicas por 20 anos para investimento em áreas básicas como saúde e educação fizeram parte dos discursos durante a audiência na Câmara.
Um consenso entre as entidades foi a necessidade de rejeitar a recomendação 99, proposta pelo Vaticano, que fala sobre a necessidade de proteção da família constituída por homem e mulher. A procuradora Deborah Duprat lembrou que o Brasil já reconhece diferentes arranjos familiares e que a recomendação da Santa Sé é inconstitucional.
Paulino Montejo, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), chamou a atenção para o fato de que a RPU apresenta 34 recomendações sobre a questão indígena, o que equivale a 13,82% do total, enquanto que a população indígena corresponde a apenas cerca de 0,4% da população brasileira. “A dívida está grande demais, não só histórica, mas social e atual. Uma população minoritária sendo destaque no cenário internacional é alarmante”, pontuou Paulino.
Pedro Saldanha, chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, sintetizou as recomendações em blocos temáticos e aquelas ligadas aos direitos das mulheres foram as mais citadas, com 45 recomendações. Saldanha, no entanto, declarou que “não há uma posição final do Estado brasileiro sobre as recomendações ainda”.
Nesse sentido, a secretária-executiva do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, Fernanda Lapa, solicitou que o governo brasileiro torne público o seu posicionamento antes da divulgação diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro. Fernanda aconselhou que o Estado não olhe para as recomendações como um ataque, mas como uma possibilidade de diagnóstico.
Fernanda também demandou do governo brasileiro a realização de mais uma audiência pública ainda este ano para que o Estado se manifeste sobre a resposta enviada à ONU. Outro pedido é para que o Estado assuma um compromisso de elaborar e enviar um relatório de meio-período, com um balanço da implementação das recomendações, que contenha critérios claros sobre esse processo.