Finalizada nesta semana, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19, conduzida pelo Senado, documenta fartamente as omissões e crimes do governo Jair Bolsonaro na gestão da pandemia e concluiu que o presidente atuou deliberadamente para disseminar a Covid-19.
Não se pode acusar a CPI de um mero ato oposicionista quando o resultado nefasto das ações do governo se traduz em mais de 600 mil vidas perdidas para a doença, as quais a Conectas lamenta profundamente. Não podemos normalizar a dimensão desta tragédia, nem ignorar a extensa lista de ações que conduziram o país ao patamar de segundo no mundo com o maior número de mortes pela Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos.
Conectas e muitas outras entidades da sociedade civil vêm desde o início da pandemia denunciando tais atitudes do governo Bolsonaro. Em pesquisa realizada em conjunto com o Cepedisa (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário) da Universidade de São Paulo, demonstramos como os atos normativos do governo apontavam para um boicote intencional das medidas de combate e contenção do novo coronavírus. Este documento serviu de material para o relatório final da CPI.
Vale lembrar que o presidente Bolsonaro atuou pessoalmente contra medidas de distanciamento social e lockdown, recomendadas por autoridades sanitárias internacionais como a mais rápida e eficaz para controlar a disseminação do vírus, promoveu aglomerações mesmo nos momentos mais críticos da pandemia, ridicularizou quem utilizava máscaras, difundiu tratamentos comprovadamente ineficazes e promoveu dúvidas sobre a segurança das vacinas.
Em que pese o avanço da vacinação pelo país, as mentiras do presidente seguem promovendo a desinformação e disseminando o temor sobre vacinas. O último episódio neste sentido foi a perversa associação da vacinação com o desenvolvimento da Aids em uma transmissão oficial realizada pelas redes sociais e posteriormente derrubada pelas plataformas. Além de ignorar as evidências científicas, que comprovam a eficácia e segurança dos imunizantes, o presidente ainda contribui para estigmatizar a população que vive com HIV/Aids.
Em seu relatório final, a CPI elenca nove crimes imputados ao presidente, entre eles epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo pela difusão de medicamentos comprovadamente ineficazes, crimes de responsabilidade e contra a humanidade por extermínio, perseguição e atos desumanos para causar sofrimento intencional. O documento dá maior força às ações que tentam responsabilizar o presidente tanto âmbito nacional quanto internacional, como é o caso das denúncias feitas ao Tribunal Penal Internacional.
Os retrocessos civilizatórios já cobram um preço alto ao país e mostram sua face mais cruel na morte de tantas pessoas, com consequências sociais ainda mais agravadas pela falta de políticas públicas de enfrentamento ao racismo estrutural e o descompromisso com populações vulnerabilizadas, como os indígenas. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, precisa avaliar as dezenas de pedidos de impeachment que se acumulam em sua gaveta e o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, deve dar célere encaminhamento às denúncias e levar o presidente e os integrantes de seu governo diretamente envolvidos por esta tragédia à Justiça. As instituições serão julgadas pela história por eventuais omissões diante de tantas violações.