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09/03/2022

Portaria federal cita apenas ucranianos e apátridas como beneficiários de visto humanitário

Documento que concede visto humanitário de 180 dias não fala em pessoas de outras nacionalidades que vivem no país europeu; situação de discriminação racial no contexto da invasão russa preocupa

Pessoas da Ucrânia deixam o país pela fronteira com a Polônia. (Foto: UNHCR/Chris Melzer)
Pessoas da Ucrânia deixam o país pela fronteira com a Polônia. (Foto: UNHCR/Chris Melzer)

Pessoas de outras nacionalidades residentes na Ucrânia e afetadas pela invasão russa poderão enfrentar dificuldades para solicitar visto humanitário para o Brasil caso as embaixadas do país façam uma interpretação restrita da portaria do governo federal para atender a demanda migratória causada pela guerra no leste europeu. Isso porque o texto publicado no início deste mês cita apenas nacionais da Ucrânia e pessoas apátridas como beneficiários do visto de 180 dias para ingressar no território brasileiro. 

A redação do texto difere do conteúdo de outra portaria recente que trata da entrada de pessoas que vivem no Afeganistão, por exemplo. Neste segundo caso, fica evidente que o Brasil pode conceder visto humanitário para “nacionais afegãos, apátridas e pessoas afetadas” pela crise no país asiático, abrindo possibilidade para pessoas com nacionalidades diversas. 

Acolhimento de todas as pessoas 

Para Raissa Belintani, coordenadora do programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas, a citação de apenas “nacionais ucranianos e apátridas s” no texto é especialmente preocupante por conta dos diversos relatos de racismo que migrantes negros e não brancos estão sofrendo quando tentam deixar a Ucrânia. Existem casos de pessoas que foram barradas em trens e nas fronteiras. 

“Esperamos que as embaixadas brasileiras não façam uma interpretação restrita da portaria. O Brasil deve se manifestar contra episódios de discriminação na guerra na Ucrânia e desenvolver ações concretas de acolhimento para todas as pessoas que vivem naquele país e que desejam solicitar visto para entrar no território brasileiro”, diz a advogada da Conectas.

O visto humanitário serve para facilitar o ingresso e regularização migratória de pessoas advindas de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário. 

Barreiras adicionais 

Ainda que a portaria sobre o Afeganistão tenha um caráter menos restritivo, foram registrados casos de pessoas que enfrentaram obstáculos impostos pelas representações diplomáticas do Brasil. Em setembro de 2021, as embaixadas brasileiras mais próximas ao Afeganistão, por exemplo, começaram a fazer exigências  não previstas no direito migratório brasileiro, muito menos na portaria que regulamenta a concessão de vistos humanitários para esse grupo de pessoas. Dentre as exigências, destacava-se a necessidade de comprovação de patrocínio por organizações brasileiras, que deveriam bancar com diversas despesas de migrantes afegãos, inclusive plano de saúde e odontológico. Após a repercussão, as embaixadas emitiram um comunicado se retratando. 

Haitianos também já enfrentaram problemas com a diplomacia brasileira. No ano passado, solicitantes de visto denunciaram diversas irregularidades no processo. A OIM (Organização Internacional para as Migrações, órgão ligado à ONU) também afirmou que o número de funcionários neste tipo de atendimento é baixo na embaixada em Porto Príncipe. Uma portaria de 2021 regulamenta a obtenção de visto para pessoas do Haiti que querem entrar no Brasil. 

“Quando uma pessoa está fugindo de uma crise humanitária ou de um cenário de sistemática violação de direitos humanos, ela não pode esperar ou ser barrada por burocracias adicionais. As embaixadas precisam encontrar caminhos eficientes e dinâmicos para acolher, seguindo a legislação. Isso salva vidas”, diz Belintani. 

 O que diz a portaria federal para acolhimento de ucranianos 

  • O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido aos nacionais ucranianos e aos apátridas afetados pelo conflito armado na Ucrânia. 
  • Os requerentes do visto humanitário deverão apresentar à autoridade consular alguns documentos (como documento de viagem válido, comprovante de meio de transporte de entrada no território brasileiro e atestado de antecedentes criminais), que podem ser excepcionalmente dispensados mediante análise caso a caso pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores.
  • Os requerentes precisarão passar por entrevista presencial nas embaixadas brasileiras, que somente será dispensada a critério da autoridade consular. As Embaixadas do Brasil em Varsóvia, Budapeste, Bucareste, Praga e Bratislava estarão habilitadas a processar pedidos de visto para acolhida humanitário.
  • No Brasil, o migrante detentor do visto humanitário deverá se registrar em uma unidade da Polícia Federal em até 90 dias, apresentando os documentos exigidos para conseguir residência temporária por 2 anos. 
  • 90 dias antes da expiração do prazo de 2 anos, o migrante poderá requerer autorização de residência por prazo indeterminado, com algumas condições, dentre elas a comprovação de meios de subsistência.
  • Para obter a autorização de residência prevista na Portaria, o migrante deve desistir de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado.
  • A Portaria tem validade até 31 de agosto de 2022.
  • O migrante tem a opção de, alternativamente, solicitar o reconhecimento da condição de refugiado, em território brasileiro, submetendo-se à análise de seu caso pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados).

 

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