Pessoas de outras nacionalidades residentes na Ucrânia e afetadas pela invasão russa poderão enfrentar dificuldades para solicitar visto humanitário para o Brasil caso as embaixadas do país façam uma interpretação restrita da portaria do governo federal para atender a demanda migratória causada pela guerra no leste europeu. Isso porque o texto publicado no início deste mês cita apenas nacionais da Ucrânia e pessoas apátridas como beneficiários do visto de 180 dias para ingressar no território brasileiro.
A redação do texto difere do conteúdo de outra portaria recente que trata da entrada de pessoas que vivem no Afeganistão, por exemplo. Neste segundo caso, fica evidente que o Brasil pode conceder visto humanitário para “nacionais afegãos, apátridas e pessoas afetadas” pela crise no país asiático, abrindo possibilidade para pessoas com nacionalidades diversas.
Para Raissa Belintani, coordenadora do programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas, a citação de apenas “nacionais ucranianos e apátridas s” no texto é especialmente preocupante por conta dos diversos relatos de racismo que migrantes negros e não brancos estão sofrendo quando tentam deixar a Ucrânia. Existem casos de pessoas que foram barradas em trens e nas fronteiras.
“Esperamos que as embaixadas brasileiras não façam uma interpretação restrita da portaria. O Brasil deve se manifestar contra episódios de discriminação na guerra na Ucrânia e desenvolver ações concretas de acolhimento para todas as pessoas que vivem naquele país e que desejam solicitar visto para entrar no território brasileiro”, diz a advogada da Conectas.
O visto humanitário serve para facilitar o ingresso e regularização migratória de pessoas advindas de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário.
Ainda que a portaria sobre o Afeganistão tenha um caráter menos restritivo, foram registrados casos de pessoas que enfrentaram obstáculos impostos pelas representações diplomáticas do Brasil. Em setembro de 2021, as embaixadas brasileiras mais próximas ao Afeganistão, por exemplo, começaram a fazer exigências não previstas no direito migratório brasileiro, muito menos na portaria que regulamenta a concessão de vistos humanitários para esse grupo de pessoas. Dentre as exigências, destacava-se a necessidade de comprovação de patrocínio por organizações brasileiras, que deveriam bancar com diversas despesas de migrantes afegãos, inclusive plano de saúde e odontológico. Após a repercussão, as embaixadas emitiram um comunicado se retratando.
Haitianos também já enfrentaram problemas com a diplomacia brasileira. No ano passado, solicitantes de visto denunciaram diversas irregularidades no processo. A OIM (Organização Internacional para as Migrações, órgão ligado à ONU) também afirmou que o número de funcionários neste tipo de atendimento é baixo na embaixada em Porto Príncipe. Uma portaria de 2021 regulamenta a obtenção de visto para pessoas do Haiti que querem entrar no Brasil.
“Quando uma pessoa está fugindo de uma crise humanitária ou de um cenário de sistemática violação de direitos humanos, ela não pode esperar ou ser barrada por burocracias adicionais. As embaixadas precisam encontrar caminhos eficientes e dinâmicos para acolher, seguindo a legislação. Isso salva vidas”, diz Belintani.