José Iran Alves da Silva, de 67 anos, foi levado ao pronto socorro às pressas quando apresentou os primeiros sintomas de Covid-19. Idoso, hipertenso e tratando uma enfermidade na próstata, ele estava preso na Penitenciária 2 de Sorocaba, no interior de São Paulo, desde 2016. Morreu dez dias depois da internação. Tornou-se, assim, o primeiro preso do estado a morrer em decorrência do coronavírus, em abril de 2020.
Em seu último levantamento, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) registrou um aumento de 16,3% nas mortes causadas por Covid-19 em pessoas presas e servidores do sistema prisional, em todo país, entre fevereiro e março. No total, são 293 óbitos e 67.262 casos de infecção confirmados, até o fim de março.
A fim de diminuir o número de detentos, reduzindo os riscos de transmissão, desde março de 2020, o CNJ recomenda que penas em regime fechado sejam revertidas em prisões domiciliares, nos casos de crimes leves cometidos por pessoas que fazem parte dos grupos mais vulneráveis à doença. A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) reconheceu a ação do CNJ como exemplar. Mas muitos doentes e idosos ainda continuam nas prisões.
Em março de 2021, o CNJ emitiu uma nova recomendação, editada pelo presidente do conselho, ministro Luiz Fux. O texto contém medidas consideradas insuficientes para conter o avanço do vírus no sistema prisional. Em um ofício encaminhado ao CNJ, organizações da sociedade civil, como a Rede Justiça Criminal, o Instituto Sou da Paz, a Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos), a Conectas Direitos Humanos e outras 13 entidades, criticaram as recomendações.
Um dos problemas é a falta de um plano efetivo de vacinação para as pessoas privadas de liberdade. De acordo com o advogado Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, mesmo as pessoas que estão enquadradas nos critérios de risco estão sendo preteridas. “O país tem um problema estrutural grave em relação à vacinação, o que também merece críticas, mas não se pode perder de vista a importância da vacinação para a população prisional e os servidores. Eles fazem parte da fase inicial dos grupos mais vulneráveis e mesmo assim não estão tendo a vacinação garantida”, analisa.
A substituição das audiências de custódia presenciais por encontros virtuais também foi outro ponto criticado. “Entendemos que a audiência de custódia deve ser presencial, em todas as circunstâncias, já que ela tem por finalidade garantir o contato imediato da pessoa presa com a autoridade judicial, certificando a proteção contra abusos praticados em situação de prisão e privação de liberdade”, pontua Sampaio. “É uma das garantias fundamentais mais importantes para o enfrentamento da violência institucional no sistema de justiça. O Estado precisa garantir isso.”
As preocupações são compartilhadas também pelo Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura. “As pessoas privadas de liberdade constituem um grupo particularmente vulnerável [ao novo coronavírus] devido à natureza das restrições que já são impostas a elas e à sua capacidade limitada de tomar medidas de precaução. Nas prisões e em outros locais de detenção, muitos dos quais severamente superlotados e insalubres, também existem problemas cada vez mais agudos”, diz o relatório elaborado pelo órgão, em 2020.
Para Gabriel Sampaio, o aumento do números de mortes e a falta de recomendações mais precisas do CNJ chamam atenção, sobretudo, por conta da defasagem no número de testagens, o que sugere uma evidente subnotificação nos casos de infecção. “Essa preocupação é agravada pelo fato de termos cepas ainda mais transmissíveis na atual fase da pandemia no Brasil, que podem trazer resultados muito mais graves”, aponta ele, reforçando o descaso com uma população que já vive em um ambiente violador de direitos e garantias. “Antes da pandemia, o sistema prisional no Brasil já era reconhecido por seu estado de coisas inconstitucional. Agora, diante de uma fase ainda mais grave de contaminação, é importante que medidas mais urgentes sejam tomadas.”