A Câmara dos Deputados aprovou no dia 9 deste mês a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, criada em 2013 no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos).
De acordo com o texto, os países que ratificarem a Convenção devem se comprometer a prevenir, eliminar, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância.
O documento fora assinado pelo Brasil em 2013 e encaminhado ao Congresso em 2016. Desde então aguardava ser votado. O texto consta no PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 861/17 e segue para aprovação do Senado.
Após o assassinato de João Alberto, homem negro que foi espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS), pautas relacionadas ao enfrentamento do racismo ganharam força no Congresso, que passou a ser pressionado ainda mais pela sociedade civil a dar respostas concretas ao problema.
“O racismo estrutural ceifa vidas, viola direitos aprofunda a desigualdade em nossa sociedade com impacto direto sobre as pessoas negras e pobres. É urgente que o Brasil reconheça a extensão da racismo e adote políticas públicas para lidar com este problema histórico”, afirma Elisa Araújo, assessora de advocacy da Conectas.
O que está em jogo
O Brasil foi protagonista e teve papel fundamental na iniciativa que deu origem à Convenção contra o Racismo. Em 2005, a Missão Permanente do Brasil na OEA apresentou à Assembleia Geral do órgão o projeto para criação de um grupo de trabalho para a elaboração do documento. O país liderou o GT, sendo presidente do colegiado três vezes.
As primeiras propostas foram apresentadas em 2011, na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul.
Em junho de 2013, a convenção foi aprovada durante a 43ª sessão ordinária da OEA, em Antígua, na Guatemala. O texto da convenção foi enviado pelo Poder Executivo à Câmara em 2016, e as comissões temáticas o aprovaram em 2018, na forma de um projeto de decreto legislativo.
A convenção lista 15 situações que se enquadram em atos e manifestações racistas, como “qualquer ação repressiva fundamentada em discriminação em vez de basear-se no comportamento da pessoa ou em informações objetivas que identifiquem seu envolvimento em atividades criminosas”.
O documento determina que os países ratificantes devem se comprometer ainda a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos “reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance da convenção”.
Convenção, Constituição e Lei
Convenções internacionais são acordos firmados entre dois ou mais países e que podem dizer respeito desde temas comerciais a combate de desigualdades e promoção de direitos.
Depois de serem assinados pelas representações diplomáticas, estes documentos precisam ser ratificados pelo Congresso, em votação nas duas casas, e podem ser adotados como emenda à Constituição, quando versarem sobre direitos humanos, ou servir de base para a elaboração de leis.
Um exemplo conhecido: após o Brasil ter sido condenado na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) em um caso sobre violência doméstica, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará, serviu como elemento de pressão para que o país alinhasse suas políticas de combate à violência contra mulheres, levando à elaboração da famosa Lei Maria da Penha.
Já a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência se tornou, em 2009, se tornou a primeira convenção sobre direitos humanos a entrar com força de emenda constitucional no Brasil.
Emenda à Constituição
Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos podem ser considerados equivalentes a emenda constitucional. Para tanto, precisam ser votados em dois turnos, com aprovação de pelo menos 3/5 dos integrantes da Câmara (308) e do Senado (49).
O PDL 861/17 foi aprovado na Câmara em primeiro turno por 414 votos a 39 e, em segundo turno, por 417 votos a 42. Se obtiver o mesmo resultado no Senado, o texto passa a integrar a Constituição brasileira.
Na prática, isso significa passar a oferecer status constitucional a políticas públicas de prevenção e punição de condutas racistas, ações afirmativas, promoção da igualdade de oportunidade na educação e no trabalho e diversidade no sistema político.